22.2.07

O Poeta X



Semana passada falei com A. pelo telefone. A. é poeta famoso em seu meio, o lá dele. Um dos melhores de sua geração, como gostam de dizer os jornais que não querem arranjar confusão com poetas bem melhores de outra geração. Diziam isso em 1992, em 2001 e ontem mesmo. A. acha pouco Schopenhauer essa conversa de que poetas são a antena da raça. Desconheço a cerveja, mas tive de concordar com ele, a ligação era interurbana. A. parece estar descendo a ladeira, só poetas do tempo em que lampião dava choque lembram do antena da raça. Mas A. é compadre de C., que por sua vez é discípulo de D. Já B., pós-cordelista por controle remoto, é execrado por F., o poeta maior. E., o incorriolável, não deixa por menos: é execrado por todos. Meu problema é que F. está velho e eu achei que um dia posso me sentar na cadeira dele se A. me ensinasse a compor uns versos mais e menos modernos que agradem a todos. Digo mais e menos modernos porque acredito na conciliação dos opostos quando não se tem um estilo muito próprio -- o meu caso. A. não é nenhum professor doutor de letras nem nada, é workshopper. Dá umas aulinhas de caraoquê criativo a quem pode pagar para ser escritor -- a minha sorte.  Ele tem umas olheiras fundas e a pele branquinha, quase rosa, feito galinha depenada. E engordou muito desde 92, vejo aqui nesta foto de 2001 repetida ontem no jornal. Está macilento. Os poetas românticos do passado eram descarnados de tuberculose. Hoje qualquer mestre-do-cu-sujo tem a mesma cara de doente, mas é gordo. Menos F., duro de boca e magro de ruindeza. Lasca humana. Que eu diga. F. está decrépito e alguém vai ter de tomar conta da loja quando ele não puder mais cantar pra subir. A disputa vai ser uma rinha, já vi tudo. Tenho cá minhas chances. A. aceitou me dar aulas particulares de poética on-line porque moro onde não tem um zé. Ele nem desconfia do meu plano mirabolante de assumir o trono de F. e quem sabe alguma vaga na coleção de carecas de porcelana da Academia. Imagino até a cara dele quando eu quis me fazer de espirituoso: "Não nasci em Itabira,  não lavei meus cueiros líricos no Tietê, principalmente não brinquei de roda no Café Vermelhinho. Tenho alguma chance de ser um poeta maiusculoso?” Ele só deu um risinho caviloso. Está precisando do meu dinheiro, não é burro de me contrariar. Vou pagar muito bem pelo curso, tive de vender dois zebus gordos da minha criação. Ideias e inspiração não me faltam, não sabe?, eu disse assim. Quero aprender é o manejo. Saber conduzir bem sujeito-predicado-complemento tudo encaixadinho numa cancela de versos sonoros em cascata, com alinhamento e cadência, feito música. Não precisam rimar, disso eu sei que é antigo. Mas precisam ser enxutos -- um boi sem gordura. Tristes. Lacônicos. E difíceis. Acho que a boa poesia é aquela que as pessoas demoram muito a compreender que não vale nada. Como a vida de um grande poeta só começa depois da morte, fico tranquilo, que de morto ninguém tira a fama. Ademais sei perceber quando todos escrevem o mesmo renrém, só mudando o cardápio de substantivos. O leitor shopping-center cai no gás-com-água porque de vernáculo não entende ponto e vírgula. Engole aqueles versos ensaboados de homeopatia achando que é refinamento filológico. Tudo que sei de poesia foi com dona Adelina que aprendi. Palavras com frente e verso. Poeta bom é aquele que não vê a vida só da sua privada, ela bafejou na minha orelha, mastigando um queijinho-do-céu. Eu poderia ter continuado meus estudos com ela, mas dona Adelina é poeta afeita a coisas de religião, e religião não tem serventia para quem, como eu, concorre à vaga de maior poeta do país. Tem que ser coisa de ateu. De matuto chique. De quem não acredita que o mar um dia vai ter sabor de limonada. A. não entende por que alguém rico e ocupado assim feito eu quer ser poeta, logo agora que a poesia não vale uma boa estrumeira. Ele se faz de besta que eu sei. Vaidade não é patrimônio exclusivo de A, B ou C. Por que seria eu a incógnita deste abecedário?