13.12.07

Natal com Jeanne Duval




11 de dezembro

vou passar o natal em pedro juan caballero com jeanne duval, mas acho que é pseudônimo. "eu sou retardada e gosto de você", ela disse-me assim. não pude resistir. não é paraguaia. nem brasileira. não é poeta, ou sacoleira, o que pra mim dá no mesmo. duval insistiu no mistério e está me esperando num hotel duas estrelas. me poupando das vaquejadas, vai me apresentar na academia pontaporanense de letras e cantar baixinho no meu ouvido Boate Azul. mandou-me um mapa para minha orientação, eu já estava fazendo as malas. e cadê o caballero aqui? tive de perguntar a minha tia, ex-guerrilheira do Cerro Corá, que fez outra rota mais segura pra mim e me deu um kit sobrevivência, pois não perde os velhos hábitos. não sei o que me espera em jeanne duval. o avião sai em duas horas do aeroporto de mossoró para o meu éden latino. eu não deveria me iludir tanto, leio na lâmina da faca dentro do kit. pero así ha sido, es y será.

12 de dezembro

corta a jaca logo!, gritou do ladinho do meu ouvido um camelô dentre as centenas que dividem a fronteira do brasil com o paraguai. saio fotografando ainda arrotando o pesado café da manhã do hotel. as fotos não saem boas. duval me espera no sítio Esperança de Laranjinha. não sei onde fica esse trem. pelo celular ela tem voz melodiosa de índia canoeira. vou ter de arrumar um táxi pra cortar o estradão. guria dos óio pretado de avelã, criada na guanabara, fico falando com sotaque de beraba. tenho problemas com culturas diferentes. descobri aqui que uma editora do sudeste roubou seu nome de uma modinha sertaneja. bato co pé, bato ca mão, talvez duval me leve a um bailinho em asunción.



13 de dezembro


dei treis parma na portera e esperei. dei mais treis. nada. chamei, duval! val? ô val? não vi ninguém no Esperança de Laranjinha. fiquei amuada e chutei um formigueiro. lembrei que dá gosto de você, que me ensinou a tirar prazeres ocultos de se levar um bolo. parece que não aprendi. pulei a cerca e espere aí!, eu disse pro taxista. na porta empenada da casa grande um bilhete pendurado: "eu disse que era retardada, não que gostava de esperar. tive de ir a caballero". merda. ela quer fazer jogo duro. transformar o meu éden numa guerra del chaco. "me espere no hotel em porã. te quiero", li no final do bilhete. amor de ferradura. sozinho no seu quarto, cocteau diria: la poesie c'est autre chose.


15 de dezembro

desde que cheguei tenho sonhado com canoas singrando pântanos de uísque falso. eu sou muito boçal. não deveria beber tanto antes de dormir. e deveria ter me encantado com alguém que cheirasse a masp. tudo fica pertinho em são paulo. mirós, légers, chiricos. bixiga, menottis e títulos. são paulo sai todo dia no jornal. como é diferente o amor em ponta porã. principalmente quando se acha o amor em ponta porã. o que não me acontece há quatro dias. estou começando a achar que duval é um hoax. alguém quis me afastar da guaná-pará e inventou essa história pra me tirar de lá. mas quem? talvez duval seja o papai noel enfim, e só vou vê-la no dia 25. agora só recebo mensagens no celular. nem a voz dela ouço mais, me mandando pra ir aqui e ali. minhas ligações caem na caixa postal. o paraguai ao lado e cada vez mais distante. a conta do hotel está ficando alta e meu cacau vai acabar. vou nem que seja a pé para pedro juan caballero. alô, serviço de quarto?



25 de dezembro

a milhas do mar. passei o natal na estrada. acabo de chegar em nuestra señora de asunción direto de pedro juan caballero, onde não dormi uma noite e fui devorada por mosquitos de acapulco. temo a dengue. empoeirada, numa pensión familiar conheço Talita, uma pulga amestrada. tomo um banho e ligo para B.: "O que você está fazendo no cu da América Latina? foi comprar maconha? TV ÓLED, é? nuestra señora del mercosur!" B. espera os resultados de uns exames e está nervosa, não adiantaria eu explicar que cuando voy, estoy en mí. explicar jeanne duval, que afinal de contas não existe. para B., só quem conhece o mundo inteiro pode estar no paraguai. porque ficou por último. meus pensamentos formam paredes e ela me conta novidades. que V. alugou um jipão e foi viajar com surfistas catarinenses, cansou de me esperar. ela espera na linha que eu diga alguma coisa. que me arrependa. que admita que sou sozinha porque quero. mas fico muda e abro uma lata de cerveja. se eu fugir correndo não passo do brasil. a la mierda. B. se cansa do meu silêncio turístico. como confiar num país que não tem saída para o mar? ano que vem será um ano lírico, volte depressa. nos despedimos. conheço cada cidade pelo vento, que arrasta o seu lixo até meus pés. com asunción não será diferente. virgencita de la copacabana, diz o letreiro onde entro para almoçar. que diós vos bendiga, paraguay.