16.7.09

Areia com Perrier



chorando no prato do mar
o poeta põe a cabeça no meu ombro
e jura que nunca mais trará
seu caderninho para a praia
escrever lhe dá a ilusão
de que o mundo não existe

é duro ele me ver
fazendo torres de areia com Perrier 





13.7.09

Conversar com os mortos





Aos doze anos de idade comecei a conversar com os mortos. Não foi tão difícil pois aos cinco eu já conversava com eles em pensamento. Nunca conversei com espíritos. Espíritos são Homero, Melanípedes, Sófocles, Policleto, Zêuxis. Talvez Napoleão. Para ser espírito precisa de tempo. Tempo e inteligência. E inteligência é coisa que demora. Saber ver longe sem depender dos olhos. Então os mortos são burros? Não, seria injustiça. Mortos não são burros. Têm outra inteligência. O morto é todo aquele que precisa aprender a morrer, o que por si só é uma grande qualidade, e um pesado fardo. Já os espíritos nascem sabendo. Todo espírito já nasce morto. E eterno. Por isso simpatizo com os mortos, enquanto a maioria das pessoas, mais pragmáticas, prefere falar com espíritos. Espíritos têm o dom da profecia e sempre tem um vivo com um pires na mão para o além, querendo fazer escambo. Diferente dos espíritos, mortos se permitem falar bobagens, nos importunam nas horas mais inconvenientes, em geral falam coisas que já sabemos ou o que não sabemos pela metade, pedem alguma coisa, se confundem com o inconsciente mas no fundo não passam de almas querendo aplacar a solidão, só isso. Não estão ali para revelar segredos, fazer previsões meteorológicas ou solucionar mistérios do passado. Não sabem a origem da vida nem vão puxá-lo pela mão e apresentá-lo a Deus, que Deus é sala vip de espíritos. Por vezes acho que só conversam comigo porque querem um empurrãozinho para voltar-lhes a vida. Quando minha mãe morreu, eu já conversava com os mortos há décadas sem que ela soubesse. Ela mesma nunca apareceu para conversar comigo. Suspeito de que, ao contrário do que dizem as lendas, morto não gosta de conversar com parente. Principalmente se morreu endividado. E quase todo mundo morre deixando um rabo de fora. Sinto sempre a presença deles comigo. Em meus sonhos, quando ando pelas ruas, enquanto trabalho. E se penso na minha morte, não é com os espíritos que me consolo. A eternidade é ilusão, aprendi com A. M. de Toledo, morto em 25 de outubro de 1728.