27.1.12

Uma forma de dizer que não quer chorar




Segunda, 23 de janeiro

Eram 6 ou 12. Esperei o sol estar a pino e pedi uma porção de 12 bolinhos de bacalhau. Estávamos a barlavento. Ríos pouco conversa e viaja pelo google maps. Carros e shoppings atrapalham a vista das montanhas. Montanhas atrapalham a vista do mar. O restaurante não acredita no obscurantismo moderno e me deixa fumar em paz. Um espírito me disse que morremos pelos pés. Ficou de me explicar melhor no nosso próximo encontro. No espelho vitoriano da loja de antiguidades em frente a imagem não corresponde ao meu reflexo. Entre o céu azul escovado e seus pezinhos de pedra portuguesa, ela era alguma coisa mais que não me deixava ver. Não era a música. O favor de deixar-se morar dentro dela. Não era o amor. Um corredor impaciente até a porta da rua. Também não era a água. Onde queria que ficasse um segredo físico, a cama de dormir e como sou por escrito para que não pensem em mim. Com a barriga cheia me sinto melhor e penso tudo ao contrário. Cerâmica no inverno. Vidro e bambu no verão. Ríos sorri pela primeira vez e um cheiro de laranja fresca entra pela janela do apartamento.



Terça, 24 de janeiro

Vidal é um atleta maravilhoso. Juro que eu não reparei em absolutamente nada. Hilda fechou a cara. Uma exposição de caixões chama minha atenção e quando me viro ela não está mais lá. Bem, adeus. Não vou lhe dizer que nunca estou só, se ela acha que vou sofrer. Estou desconjuntada hoje, eu aceno quando Hilda entra no carro e sai correndo estrada afora. Tomo um café no terraço y fico silabando, a-tle-ta. Já que cheguei até aqui, vou jantar. Abro meu Julian Barnes. Desliguei meu ventilador ao sair de casa e as palavras continuam ali, certinhas.



Quarta, 25 de janeiro

Clarice tem em casa uma tela plana do tamanho da parede. Um exagero, penso e esqueço. Me oferece uma coca-cola num copo azul. Acho que ela quer me matar. Jogo tudo pelo ralo da cozinha marxística. Lua cheia, devo partir amanhã. É da minha natureza esse por fazer. A emoção atochada num vaso de plantas. Nem Clarice, que planta cebolas para colher meses depois. Que paciência. Até sua horta tem alta definição. Vemos um filme de Truffaut e ela adormece no meu colo com o meu passaporte na mão. Uma forma de dizer que não quer chorar. A maior parte da minha vida.





21.1.12

Antipatia é quase ódio


Eu tenho. Mas não dou, não troco,

não vendo, nem empresto.

Preciso muito.





2.1.12

Máquina da noite





Partiu o comprimido ao meio e que diferença faz. Como se ouvisse uma sonda de piano. Até que pareço uma mulher pelo espelho da cômoda. Faltava um pedaço mas por dentro estava exatamente igual. Se começar a convergir, precisará partir outro ao meio. Há uma coleção de metades na cartela. Não sabe se medicar sem cortar. Agora que todos saíram, podia esperar o sono. Ler um livro sonolenta para esquecê-lo mais depressa e à sensação de que restavam muito poucas palavras no mundo. Lá fora um cão escolhe um dos seus latidos para outro cão. Ela não entende o chamado. Naquela noite não havia preenchido os papéis necessários. Os convidados eram figuras da cintura para cima na grande mesa de jantar. Por fim veio o café e cada um deles tomou meia xícara encobrindo  o rosto de porcelana e já pensando nas despedidas, em como seria maçante manobrar outra vez os carros debaixo de chuva para tirá-los daquela encosta íngreme. No ano que vem poderiam pensar em outra pessoa. Inteira. A casa tem vista para as montanhas, teve a impressão de ter dito isto ao telefone. E comprado caixas de comprimidos e algumas Dom Pérignon porque ela merecia mais do que Dom Pérignon. Bastou dar corda no relógio mecânico e todos começaram a traduzir os próprios pensamentos na língua local.  Lembra daquela vez? À noite, céu e terra parecem uma coisa só. Eu sempre evito perguntar o nome de um estranho, se posso pagar alguém para fazê-lo. Na última rodada, minha querida, teu inimigo jamais usará bolas de veludo. Tem muito mosquito? O problema é que não há fiscalização dos contratos públicos. Ela pensando se as uvas engarrafadas estariam afinal livres da vida, sem precisar resistir mais à oxidação. Aqui estão. O sabor da chardonnay, o sabor da pinot noir. Fácil identificar se ficasse com a boca calada, se se imaginasse amanhã desentupindo o chuveiro para lavar seus fios de cabelo das irmãs Brontë. Há naturalmente muitos outros casos.