29.6.12

Trinta anos esta noite - Louis Malle - tradução de legenda





Fragmento de Le Feu follet, de Louis Malle, 1963.

Tradução de legendas: Maira Parula.

(TinkyNina é um dos meus canais lá no YT. Tem um outro.)













27.6.12

épitaphe





Maintenant sont toujours les autres qui vont mourir.








22.6.12

Suona, suona violino





O Sr. D. diz ser escritor e trabalha em um emprego seguro porém limitante que não corresponde aos seus anseios literários. Procurou a análise aos 32 anos, quando a esposa, de um casamento que durara oito anos, o deixou. Ele procurou o tratamento a fim de descobrir se ele foi a causa do fracasso do seu casamento. No transcorrer da análise ficou claro que sua motivação para a terapia não era apenas o desejo de conhecimento ou reconhecimento intelectual, ele buscava ajuda porque sofria de um grave transtorno de autoestima e de uma sensação profunda de vazio interior. Para o petit déjeuner do Sr. D. servimos hoje simplicidade: pain perdu tout bête com café au lait e jus d’orange. A resposta empática foi perfeita. Nosso chef sentiu-se recompensado. A apatia e falta de iniciativa do Sr. D. fazem com que ele se sinta “meio vivo”, segundo suas palavras, e ele procura superar essa sensação de vazio com a ajuda de fantasias sexuais contendo um carregado matiz sádico. A fantasia de controle sádico dirigia-se principalmente às mulheres, em particular à esposa, que o considerava “doente” sempre que se via na condição de “amarrada” aos móveis do casal. Sem dúvida, essas encenações eram uma tentativa de encobrir uma falha primária por meio de estruturas defensivas. Para o déjeuner não obtivemos o mesmo sucesso. O Sr. D. pareceu não apreciar o nosso plat. Queixou-se que o tartare de boeuf estava duro e a vaca, passada. Não quis esperar pela dessert, uma divina panna cotta au caramel au beurre salé. O chef precisou ser tranquilizado com doses comedidas de reforço de onipotência. O Sr. D. pediu um bloco para escrever e voltou para o seu quarto. É correto dizer que seu trabalho como escritor poderia contribuir de forma considerável para o aumento de sua autoestima, no entanto encontrava-se obstruído por um nexo de distúrbios inter-relacionados. O primeiro, manifestação da falha estrutural primária mencionada, estava geneticamente relacionado à falha da função de self-objeto de sua mãe como espelho para o sadio exibicionismo da criança D. O segundo era uma manifestação de uma falha nas estruturas compensatórias do paciente, geneticamente relacionado à falha da função de self-objeto do pai como imagem idealizada. O Sr. D., trancado no quarto, dispensou o goûter. O chef trancou-se na cuisine e quebrou toda a nossa Sarreguemines Louis XV. Reunião extraordinária da diretoria para discutirmos estruturas contensoras adequadas. Os obstáculos ao trabalho criativo do Sr. D. não podem, entretanto, ser explicados apenas com exame minucioso de sua relação com o self-objeto especular materno, pois as aptidões que ele empregava para escrever não se baseavam na estrutura primária, ou seja, no seu relacionamento com o self-objeto especular, e sim na estrutura compensatória, isto é, em talentos adquiridos em um posterior período da infância, na matriz do seu relacionamento com o self-objeto idealizado, o pai. Simplificando, a hora do dîner estava chegando e precisávamos tomar uma decisão. A diretoria, por unanimidade, escolheu um fricassé de mer et sa Julienne de légumes, um prato leve e de fácil confecção que serviria como uma válvula de escape transicional às tensões suscitadas pela alta vulnerabilidade especular entre objeto paciente e objeto chef. Sem que soubéssemos, o chef, por sua própria conta, havia preparado um buffet vegetariano da culinária italiana. Compreendemos de imediato que ele estava disposto a uma fusão bem-sucedida com o paciente, não aceitaria mais decepções. Um buffet era tiro certo, o suficiente para manter seu equilíbrio narcísico. A mesa da sala de refeições exibia o resultado dos processos de elaboração ocasionados por sua recente frustração: um delicado pizzette di sfoglia con zucca e spinaci, um polpettine di melanzane e ricotta, um festivo cous cous con chicchi di melograno e uvetta, um sformato di finocchi e formaggio de tirar o fôlego, uma zuppa di lenticchie e crostini di pane fritto, uma crostata di frutta vegan, uma travessa repleta de biscotti della fortuna vegan. Para a sobremesa, uma mousse al cioccolato con scorza d’arancia candita. O sr. D. surgiu na sala de bom humor e banho tomado. Olhou demoradamente para o buffet exposto, parecendo surpreso. Em vez de se servir, começou a ler os rótulos dos vidros de molho. Sabíamos que, para um escritor, grande parte do self-objeto é a palavra escrita, uma certa habilidade de encontrar alguma coisa na literatura que irá dizer algo de significativo para ele em um momento de necessidade. Por fim, o sr. D. pegou um prato, uma colher de chá e quatro vidros de molho. Pingou algumas gotas de cada um no prato, provando uma por uma, misturando e voltando a provar. Não satisfeito, substituiu os quatro molhos por outros quatro e repetiu o procedimento. Era evidente o prazer com sua obra. A comida esfriava na table, intacta. Após sete meses de tratamento, o sr. D. teve alta, abandonou a literatura e veio trabalhar conosco como chef principal. A sua inventividade no campo dos molhos atrai estudiosos da psique dos quatro cantos do planeta. Quanto ao nosso antigo chef, bem, nosso antigo chef, após algumas sessões de reabilitação conosco, comprou um violino e se mudou para Porretta Terme, onde passa as noites tocando tarantellas in un vecchio ristorante. Suona, suona violino.










20.6.12

Blaue Reiter




Ligo às 9:12.
Fumo um Kent e volto para a cama
ouvindo a História dos Insípidos.
Não há ruído algum de tráfego.
Jogo xadrez com a fumaça.
Escalo o zíper da jaqueta.
Sylvia parada no portão.
Ligo às 10:30.
Sylvia na escada.
Sylvia com catorze anos.
Sylvia por causa de um homem.
Sylvia no peitoril da janela.
Ligo às 12:15.
Uma voz impaciente.
Engraxo os sapatos.
A cura pelo repouso
não sai de lugar algum
não passa por lugar algum
não chega a lugar algum.
Ligo às 14:45.
Sylvia tomando um chá.
“Fui eu mesma que pintei.”
Do outro lado não digo nada.
Sylvia lendo o Blaue Reiter.
Sons estranhos à harmonia.
Sylvia porém não me ouve.
Atravesso o quarto.
Aumento o volume
na soma total das notas.
E uma enfermeira entra sem bater.
O mundo cheirando bem.





São minhas as ruas que dão na praia




São minhas as ruas que dão na praia 

e o sono das manhãs que dão no mar. 

São meus a areia o barco e o vazio dentro do barco. 

São meus o mar e o vazio dentro do mar 

em que mergulho sem qualquer vestígio de sangue.





16.6.12

poema pronto


Emma




Emma. Não. Querida Emma. Olhos expapuçados de calor. Hoje é sábado e ao lado chove. Não existe roupa seca. Estou em um hammam em Bouarfa e aproveito para te rascunhar umas palavrinhas. Pare de ficar encolerizada porque só me lembro de escrever quando sonho com você. É pouco para uma amizade sincera, sei disso, mas se pudesse controlar minha mente, não teria Aqui dentro as palavras vão borrando no vapor e gostaria de reescrevê-las porém mal posso respirar, me perdoe se não compreender alguma. Apenas leia. Outro dia comi com a professora de surdo-mudez. Com a, não a. Estou apresentando o fato de forma neutra. Como o que passou, passou. Estávamos sentadas no terraço em cadeiras de campanha. Você sabe em que guerra estamos? Me diga uma. Seja como for, ficamos ali, no escuro. O ar parado. Ela fazendo um barulhinho enquanto mastigava, eu no meu silêncio interpretando as mordidas segundo a linguagem dos sinais e ouvindo, “Então, na semana passada”, a professora disse, sem que eu tivesse perguntado coisa alguma, mas adivinhando. Contou uma história infeliz de tão triste de uma menininha grega órfã e doente dos pulmões que morava num barco na ilha de Leros até que um dia soltou as amarras a barlavento do destino e, ah, não vou recontar tudo aqui que não vai caber tempo no papel. Daí eu fiquei imaginando os cabelos da menina, a palavra grega para cabelo, os pulmões doentes flutuantes ressoando ao longe e se todo órfão da deusa fica doente de pulmões ocultos pela sombra dos cabelos. Isso tudo aconteceu com a professora de surdo-mudez na semana passada, se ela não mentiu para apoderar-se de mim e mastigar-me essa história. Eu só aceitei o convite. Comida mesmo não levei. Ela até ofereceu dividir a dela mas eu disse que já tinha almoçado ou jantado na barraca, não lembro, estava escuro e o vento que começou a soprar me dava náusea. Acho que ela fez que pena com um movimento facial. Ouvi isso também. Seu rosto era tão pálido que iluminava o chão quando baixava a cabeça. Nesses momentos eu aproveitava para pegar meus cigarros na mochila ao lado do cantil. Na mesma noite sonhei que uma mulher me sorria com a boca cheia de pinos parecendo um cinturão de balas de fuzil e me levava para dar um passeio em volta do fosso do castelo. Senti então o meu coração levantando a água com a pá dos remos e o resto do meu corpo se perdendo para sempre. Acordei pulando de um cesto largado em uma praia de areia. Arrastei-me até a barraca, a pele em escamas, só barbatanas flácidas e nadadeiras espinhosas, não sabia mais de mim. Eu só era eu porque a menina me reconheceu. No espelho da sala de banho posso ver meus olhos amarelados de pupilas pretas, minha cabeça cor de cobre com manchas rosadas, lábios verde-bronze. A abertura da boca é quase vertical, a língua, áspera em cima. Já tomei várias duchas e esta sensação não passa, Emma. Não. Querida Emma. A menina pergunta se compraste nossos ingressos para vermos La Sylphide. Não sei se chegarei a tempo. Respiro com dificuldade, a água escorre das paredes, mas ainda consigo segurar a caneta e te escrever. A verdade é que não posso sair daqui e anoitece outra vez. Estou sozinha. Em que guerra estamos? Me diga uma.




O ser e a náusea

























Não apareceu ninguém para me receber 
quando desci do papagaio. 

Os franceses têm as mesmas reservas 
em relação ao Marrocos.


10.6.12

Uma breve história da literatura brasileira



Os primeiros escravos vieram ao Brasil para nos libertar do jugo de Camões. Atendendo ao apelo de Gonçalves Dias, que acabaria sucumbindo a bordo de um navio negreiro nas costas do Maranhão, o povo d'África aportou no Novo Mundo na época em que Anchieta ainda era coroinha. Apesar de virulentamente combatida pelo Grupo Mineiro numa publicação da revista Klaxon, esta tese não há como ser refutada pois a Biblioteca Nacional guarda a sete chaves inúmeros fragmentos de poemas de viagem que conseguiram ser resgatados após o naufrágio do navio em que viajava o bardo desaparecido. Relatos do padre Fernão Cardim dão conta de que Anchieta, ao presenciar o desembarque de tão formosos guerreiros africanos seminus em praias brasileiras, comentaria extasiado: "O Brasil não precisa de mutilados. Precisa de braços!" E, deixando de lado o índio que lhe segurava a bata, saiu correndo na direção dos escravos e rabiscando nas areias os seus sermões. Naquele mesmo dia mandou que se rezasse a primeira missa, esquecido de que esta já havia acontecido. Nessa época era popular entre as caboclas a Canção da Aranha, um canto peculiar que servia para animar a rapagem da mandioca e cujos versos diziam mais ou menos assim:

"Que ku, cama-cama
Que ku, catolé
Ó Zarizê
Casal que me coma
Casal que me deixe
O chinrimbê cum biá.
Cacholi-choli-cholê."


No entanto, as sinhás moças, mais influenciadas pelos cantos gregorianos e músicas sacras, preferiam entoar seus sentimentos em serões familiares nos velhos casarões. Eram os românticos já entrando na dança com seus pezinhos clássicos, mas as mãos ainda nas Sextilhas do Frei Antão. Foi quando surgiram os primeiros sinais do romance brasileiro. O moço loiro e a namoradeira, casal travesso e piegas, bem ao gosto popular, deram início aos primeiros autores, jamais imaginados antes em terras de Santo Inácio. Prevalecia nas letras pátrias a máxima de Santa Teresa d'Ávila: "Morrer de tanto não morrer." Para não agonizar, o barroco rococou-se: o amor pelas curvas de capelas imperfeitas. O sexo como um pássaro de rica plumagem. A mulher, antes oculta nas camarinhas, entra no mundo verbal. Da janela do convento, o Aleijadinho já pressentia o que viria a ser "o torvelinho de ímpeto convexo". Inês de Castro fugindo desabalada da oitava-rima. Como ninguém mais falasse no Sermão da Sexagésima, os vice-reis, por interesses mui excusos, incentivaram o Marquês do Lavradio para que fundasse o teatro brasileiro. Mas isto só aconteceria lá pelos idos de 1770, na Praça Tiradentes do que se conhece por Rio de Janeiro. João Caetano também nasceria na Praça Tiradentes, onde, por vaidade típica dos artistas, ganharia um teatro com o seu nome. Dizia-se na época que não se devia convidar para a mesma coxia João Caetano e Leonor de Mendonça. Martins Pena faleceria em Lisboa, no ano da graça de 1848, Cena IV, Ato III, deixando o palco livre para o psicologismo iaiá-garcia de Machado de Assis. Abriam-se as portas do Ateneu. O escritor romântico virou Capitu, mocinha pobre e ambiciosa. Herança que ainda perdura. Perdeu-se o condor e a literatura vestiu a mortalha de Pirajá. O jornalismo teria início com o periódico Bazar Volante, embora críticos tardios reivindiquem a posição para o Correio Mercantil. Começa a boemia de jornal e café. A rotina do escárnio. Sob os laranjais, Aluísio de Azevedo descobrir-se-ia gostando da filha da madame, a quem dedicava poemas socialistas notoriamente influenciados por Castro Alves: "A morte já começa/a martelar caixões na porta dos ateus!" Rejeitado, arranjou-se com Filomena Borges e foram morar num cortiço lá pros lados da Tijuca. O universo literário-cultural jamais voltaria a abolir o acaso sob o signo da navegação. Do jogo entre sombra e luz surge o espírito científico. A mocidade coimbrã daria lugar a uma geração poética, viçosa e galharda cheia de fervor, convicção e outros ipisilones. Mário de Andrade aprende o francês e nasce o modernismo, de parto atravessado. Darwin deixaria Deus de lado para abraçar o primeiro macaco. Desta troca de casais nasceriam por fim Édipo, o perverso polimorfo, a Dama das Camélias e Caetano Veloso.


5.6.12

A la feria




















Qué hermoso poema, tan ingenioso.

Quiero este, con palabritas amarillas.

¿Cuánto sale, señor?

¡Vaya! es muy caro. ¿Y solamente un verso?


Mejor así. Dame dos.





1.6.12

Câmara fria



Coloquei nos três cuzinhos
exatamente três bilhetinhos
todos perfeitamente iguais
igualmente apertadinhos
(ele haveria de achá-los
na hora do exame)

Um dia o tempo passou
e dos bilhetes não vi resposta
mudei de plantão, mudei de amores
certo está que inda sou curiosa
do fim que levaram tão graciosos cuzinhos
pombos-correios prestimosos
de meus infames bilhetinhos