19.11.13

Há uma brisa ligeira




há uma brisa ligeira

uma brisa caseira

enquanto pressiono

letras no teclado

as notas naturais

as notas acidentais

o preto no branco

que a brisa ligeira

martela nas cordas

há uma brisa caseira

de dós sustenidos e

oito sóis que os teus pés

prolongam no som da areia




16.11.13

Fazer o Q




E você?
Eu?
É.
Eu o quê?
Vai fazer o quê?
Eu?
É.
O quê?
O que você vai fazer?
Eu?
É. Vai fazer o quê?
O quê?
É.
Hein?
Agora.
Agora?
O que tem que fazer agora?
Eu?
É, porra.
O quê?
Você deve fazer alguma coisa agora.
Eu?
É. Você!
Eu é?
É.
E o quê?
Não sei.
O quê?
Não sei. E você?
Eu?
É, você.
O quê?
O que me perguntou?
Quem?
Você me perguntou.
É, foi.
Foi o quê?
Vai fazer o quê?
Você?
Não, você.
Eu?
É.
Não sei o que vou fazer.
Não sabe?
Não sei o que vou fazer.
Você não sabe o que vai fazer.
Não.
Quando?
Quando você  me perguntou.
Eu?
É.
E quando perguntei?
Lá atrás.
Onde?
Aqui.
Eu?
Foi.
Não lembro.
De quê?
De quando.
Você não  lembra.
Não. Dá  licença?
Por quê?
Por que o quê?
Por que dar licença?
Pra quem?
Pra você.
Pra mim?
É.
Chega.
Também acho.
O quê?
Que chega.
Quem chega?
Chega pra nós.
Nós?
É. Nós!
E vamos fazer o quê?


13.11.13

1 poema de Charles Bukowski




cerveja às 2 da madrugada


nada importa
além de mergulhar num colchão
com sonhos baratos e uma cerveja
enquanto as folhas morrem, os cavalos morrem
e as senhorias espiam nos corredores;
vibra a música de persianas fechadas,
a última caverna de um homem
na eternidade de hordas
e explosão;
nada além da pia pingando,
a garrafa vazia,
euforia,
a juventude cercada,
esfaqueada e barbeada,
palavras ensinadas
escoradas
para morrer. 


(Os oito últimos versos são os falados no filme Barfly pelo personagem Henry Chinaski ensanguentado na frente do espelho. Poema em Burning in Water, Drowning in Flame, trad.  MP.)







9.11.13

Não me lembro se já doía




Eu tinha 4 anos quando Walter Hugo 
passou na minha frente com um homem manco. 
Um manco com cara de mau. 
Walter Hugo com cara de Walter Hugo. 
Que eu não sei dizer se é boa ou má.
Era noite e chovia, não pude ver claramente. 
Eu tinha 18 anos quando vi Walter Hugo
passar atrás de mim com um homem manco. 
Um homem manco jovem, cara de bom.
Não era o manco mau, que já devia estar velho. 
Walter Hugo com a mesma cara de Walter Hugo, velho.
Era dia e sol, pude ver claramente. 
Hoje penso que ele me ensinou que o bom o mau, 
o jovem o velho, a frente o atrás,
o dia a noite, a chuva o sol,
o homem e o outro são mancos. 
É o que eu devo esperar de todos os homens.
De todas as direções. De todas as luzes. 
Tenho um joelho esquerdo que dói, mas ainda não manco. 
Dói há muito tempo. 

Não me lembro se já doía
quando vi Walter Hugo passando.



  

6.11.13

Things

1 poema de André de Leones





















Yerushalayim

                                              para Maira Parula


em Jerusalém sonhei com Neve Tsedek
o SoHo de Tel Aviv
você comprava uma tela abstrata
de uma pintora hippie
dentes ruins
tela depois trocada por
não me lembro
quantas doses de arak
em uma barraca do shuke
chuva torrencial
e no fotograma seguinte
pedalando ensolarados
pelo calçadão de Yafo
o Mediterrâneo nos fitava
sonolento
como se olhasse para o passado
e ainda nem existíssemos




4.11.13

Sans élégance




Ela deu a bunda e nem se lavou

O couro do sofá foi curtido com taninos vegetais

Quando fecho as janelas

Abro mão de todo verniz literário





1.11.13

Vem e vê




alimentar-me de capim 
escola de mim
amasiar-me com cabras
deitar-me lagarta nua
às margens do mar Morto
salvar minha alma  a sua
com o corpo não lavado
das noivas de Cristo
fétido para o abraço místico
que asceta não sente odores
deglute piolhos estercos amores
embebido na bacia dos leprosos
frita o pão bolor da santa 
em óleo fervente dos arcos
del Palazzo della Signoria
qualquer coisa que me faças
pensar na terra visitandina
somente pensar
longe da minha cabeça 
que desce o Guadalquivir
onde lágrimas enchem cântaros
e panelas aderentes de vida
eu!
feto por dentro do cetro
manco cordeiro do calvário das chacotas
reviro palavras nos espinhos do fervor
para falardes com mais pudor
não foi para foder que te amei
mas para servir-me dos teus irmãos
-- a mais bela esposa do vale de Spoleto --
anacoreta das partes pudendas
faço parte dessa circumspicienda
que infiéis chamam de demência
salvo minha alma à sua
lagarta nua filha de Maria
devorando as moscas da Eucaristia
no dízimo de hortelã à lua




Olhai o lírio dos Campos