25.5.14

Hoje você não verá a Torre Eiffel




Foi assim
que eu vi você
passar por mim
e quando a casca eu joguei
Logo me apaixonei

Foi assim
não sei mais o que dizer
se pude então compreender
que sem você, meu bem,
o tombo nada ia valer

Mas foi tudo um sonho
no café do Champs-Élysées
eu, você e minha Psiquê
na plus belle avenue du ciel
hoje você não verá a Torre Eiffel

Foi assim
e agora como eu vou me mexer
pra que você consiga entender
que o coração ferido que despertei
eram morceguinhos que profetizeis
amor é o vazio dentro de outro vazio
e agora já são seis





23.5.14

8:53 daí ela





disse que aquilo era uma rede social eu disse que não era ela disse que era eu disse que não era ela disse que era eu disse que não era ela disse que era não era era não era era não era era não era e isso durou até a hora do almoço em que não nos sentamos de frente uma para a outra porque além do mais o filme era péssimo pior que péssimo o que é pior que péssimo? pior que péssimo é horroroso a ideia era boa o roteiro péssimo os atores horrorosos tive uma noite péssima um sono horroroso ah eu dormi bem aliás bem ótima ótima é melhor que bem e do que era o filme? o filme não era do que está bem então do que falava o filme? o filme não falava era horroroso um casal péssimo perde a filha boa que não aparece porque está morta e isso é uma boa ideia de roteiro péssimo para atores horrorosos que são um casal e se perdem também dentro de um parque de diversões vai cada um para um brinquedo e ficam reproduzindo suas falas dentro do brinquedo de cada um e eu fui achando tudo aquilo triste e péssimo outro roteirista poderia fazer melhor outros atores dizer melhor outros péssimos mas acho que o filme era pra ser péssimo pra você se sentir péssimo passar o dia péssimo dormir péssimo e ser péssimo com as outras pessoas péssimas de ideias boas e o parque nem tinha roda gigante imagina só o filme devia ser uma peça de teatro adaptada produção barata filmada péssima e aquele parque aquele parque era claustrofóbico e eu comecei a rir porque os brinquedos o banco de praça era tudo tão péssimo o marido a mulher a filha morta em off como um feto eu pensei é um feto essa filha morta eles não querem que ela nasça vão abortá-la no parque porque sabem que ela vai morrer de novo se nascer daí não será nem feto nem menina morta ela será uma voz em off para pais perdidos num parque de diversões sem roda gigante justamente é a roda gigante que não deveria faltar como puderam esquecer a roda gigante? e a menina lá no alto balançando morta em off eu faria assim a menina subindo e descendo morta naquela cadeira iluminada pelas luzes da cidade os canhões de luzes da produção naquela cadeira subindo e descendo e os pais péssimos lá embaixo fora de alcance fora de foco comendo algodão doce fora de foco e conversando sozinhos dizendo suas falas para si mesmos brigando trepando com sofreguidão depois da briga porque viver entre eles é não se importar se a menina está morta ou viva porque no fundo estão entre eles e a morte da menina é um pretexto eles tinham de ter um forte motivo para se culpar se destruir porque é assim que os casais fazem e a menina morta sabe ela balança na cadeira e sabe ela vê tudo lá de cima e quando desce a sua morte não importa para ela os pais não importam para ela porque ela é uma roda gigante eu acho que hoje você está péssima ela disse quando terminamos o almoço e eu paguei a conta do restaurante iluminado pelos canhões num dia horrível de calor com aquela menina morta ainda dentro da cidade dentro de mim num palco sem roda gigante onde pedimos um táxi.








18.5.14

Mais ou menos a terra




Parece que a língua da gente vai diminuindo
e você não tem mais a mesma semana inteira de falar
a mesa ao lado conversa ri
e você não quer estar ali
não porque não goste
não porque não sei
é que não entende
palavras sorrisos
mastigando o coxão duro
das histórias de família
as atualidades
quem fez o gol na final
batata não se guarda na geladeira
a criança que saiu invertida
mas perfeitinha
os smarts tocando
todas as avós conectadas
e você arrancando seus fios da parede
porque não sabe falar mais
não sei se quero
a chuva completa o seu copo
todos vão para dentro
no céu o refluxo de cores
ninguém vê
você os engole
e até salivados não calam a boca
mais uma vez você não quer estar ali
bebe a chuva inteira e os afoga
o barco em ponto morto
as vozes vão ficando mais longe
dentro de você não pedem socorro
dentro de você celulares não pegam
todos se deitam
todos se calam

dentro de você

é mais ou menos a terra




9.5.14

um portão de número par





a claudius portugal

Contorno a água 
de borda positiva
não é hora de mergulhar
nesse azul clorado
de itapoans


de portugal me vêm
poesias baianas
que afundam no mar
perambulam naufrágios
como peixes de silêncio


me abaixo 
molho as mãos
nesse novo mundo
talvez um rio
a praça municipal


fina teia de aranha
sobre cúpula de abajur


talvez a minha cara
um puçá
de vidas que não me dormem
ferragens 
de um portão de número par





2.5.14

Assindética



Como um dia qualquer
Você acorda
Pneus chiam no asfalto molhado
Você entra na sala de aula
Quem sabe não lhe caibam
Todos aqueles alunos ali
Empilham sorrisos enfados
Alguns de banho tomado
O cheiro de pele ensaboada
chegando até o quadro-negro
Você não se vira no asfalto molhado
Fecha os olhos num doce repouso
Não ouve as perguntas
Responde
Parada
Quem sabe não lhe caibam
Você dá respostas certas
com o espírito de costas
O que ouve é o movimento dos olhos
A língua passando por lábios rachados
Assindética
Pela primeira vez tem medo
se encosta mais no quadro
escreve mais perto do que tem a dizer
O silêncio caindo com o pó do giz
apaga suas impressões digitais
Você põe a cadeira de frente para o farol
A manta sobre os ombros
E espera um barco passar dentro da luz
Como uma noite qualquer