30.7.14

Eid ul-Fitr





você treme de frio agarrada 

às minhas costas

diz que é de medo

mas eu sei que é de frio

você diz que bombas explodem lá fora

e eu sei que não são bombas

o que explode lá fora

são fogos de artifício

você sente cheiro de sangue

eu digo que são nossos doces

chegando para o Eid ul-Fitr

você não ouve mais o canto dos pássaros

mas eu sei que essa é a época

de todos voarem na mesma direção

então você fecha os olhos

e eu sei que dormiu

porque parou de agarrar minhas costas

eu me viro para o seu lado

abraço seu corpo

e tudo fica quieto





25.7.14

1 poema de Raymond Carver




Seu cão morre

atropelado por um furgão.
você o encontra na beira da estrada
e o enterra.
você se sente mal com isso.
se sente mal pessoalmente,
mas se sente mal por sua filha
porque era o seu bichinho de estimação,
e ela o amava tanto.
cantava baixinho para ele
e o deixava dormir na sua cama.
você escreve um poema sobre ele
e o chama de um poema para sua filha,
sobre o cão atropelado por um furgão
e como você cuidou dele,
levou-o para a floresta
e o enterrou fundo, bem fundo,
e o poema ficou tão bom
que você está quase feliz pelo
cãozinho atropelado, ou nunca
teria escrito um poema tão bom.
depois você escreve um poema
sobre escrever um poema
sobre a morte daquele cão,
mas enquanto escreve
ouve uma mulher gritar
o seu nome, o primeiro nome,
duas sílabas,
e seu coração estanca.
um minuto depois, você volta a escrever.
ela grita de novo.
você imagina até quando isso vai durar. 



(do original "Your Dog Dies", trad. Maira Parula)


24.7.14

Os jornais não dizem da morte de pianistas





Dentro de minh'alma há cenas renascentistas na campanha.

Enlevos valsas versos vestes iluminando janelas internas.

Mas dentro de minha barriga há um porco fuçando.

Meu ventre é um ninho de parasitas.

No silêncio da noite que o escuta,

quando as pedras param de se chocar no meu copo,

o porco sobe e desce.

Às vezes contorna.

Procura uma saída.

E os jornais não dizem da morte de pianistas.

3.7.14

Aviamento





Construiu com palavras 
uma missa de sétimo dia
sem dizer nada
só os lábios dos vivos se mexiam
concentrados nos pontos tortos do bordado
precisava aviar a voz que vinha
da sala do quarto da banheira
da estufa do celeiro
do pulmão dos bois

construía sem dizer nada
para calar o gato entre pombos
a Revolução Francesa
as fábulas chinesas
o bonde chamado despejo
a orquídea da inconfidência
e todos os outros títulos misturados
ao cheiro do seu corpo
no fogão ainda cheio de panelas

construiu seu sétimo dia numa casa cega
franziu e debruou
uma música indiferente 
expirando por entre os dentes