"Só não se esqueça ao entrar, do meu infinito particular."
É o que todos pedem, é o que deve ser. O marco
civilizatório. O respeito ao indivíduo. Indiví-duo. Eu também quero. Parece que
quero. Eu também ponho limites ao outro. Mas no fundo. Mas no fundo. No fundo
uma parte de mim, uma grande parte de mim, soçobra. Soçobra e espera. Sentada
no ponto, vê o ônibus passar cheio de gente. Lá vai o mundo. E você não entra.
Espera alguém lhe puxar. Seja para o que for. E você fica ali no banco de pedra
e canta Só não se esqueça ao entrar, da minha infinita jugular. Você espera e
precisa da invasão bárbara do outro. Que me digam o que fazer. Onde ir. Mas eu
não sou mais criança. Você cresceu e envelheceu -- que é uma forma de não ter
mais por onde crescer. Como eu posso dizer a uma pessoa da sua idade o que
fazer?, ela diz. E eu me sinto humilhada. Mais velha ainda e cansada. Como se
meu cérebro estivesse morto. Ela acha que eu já devo ter pensado tudo que havia
para pensar. Chegado a todas as conclusões possíveis. Só não me mexo mais
porque não quero. E eu me sinto deitada, ainda viva, o coração batendo forte,
as mãos apertadas, mas com morte cerebral. Ela só vê crianças na criança. Não
em mim. Já vejo a hora em que vai mandar eu me foder. Vai perder a paciência.
Por que espero tanto dela? Ela não é o mundo que vi passar dentro do ônibus.
Ela sequer é parte do meu mundo. Do mundo que construí pra mim. Como separar a
pessoa do médico? A pessoa do amigo. A pessoa do amante. São coisas que você
não consegue. Elas se embaralham. E no momento que consegue desembaraçar, você
pode não gostar do que vê. E embaralha novamente as cartas para ver se sua mão
sai um pouco melhor desta vez. Chego à melhor conclusão a que posso chegar, o
que eu já sabia há muito tempo: você é uma bárbara, uma viking, uma vampira. E
espera isso do outro, como uma prova de amor. Que entrem na sua jugular, no seu
sangue. Senão não vale a pena ter vivido. Viver. Entrar no meu sangue e ficar
lá, correndo dentro de mim. Quieto. Formando um novo ser. Que não é gente.
Todas as palavras que nos dissemos devem servir para alguma coisa. Não vou
tirar o seu sangue, só quero nadar nele. Como se você fosse um rio que me
levasse aonde bem quer. Eu preciso mergulhar em você, em cada passageiro que
passa naquele ônibus. É uma ilusão achar que o seu sangue vai aceitar o meu.
Incompatíveis, ficaremos sós. Uma infinita jugular intacta. É como descrevo a
solidão. Tenho de resolver isso. Unwelcome Words. Afago a cabeça do meu
cachorro velhinho e ele boceja, preparando-se para um novo dia. Toma o seu
banho independente de mim e sei que estamos juntos. Os seus dois caninos ainda
afiados como nunca.