27.4.15

como és belo



O meu isqueirinho goiaba
come sei bello
em cima da mesa de trabalho de cabeceira
do mármore da pia
enquanto me banho
quando cozinho
o meu isqueirinho goiaba
se soubesse que tudo que faço
na vida é unicamente por ele
o meu isqueirinho goiaba
se riscaria sozinho de alegria
ah sim os amarelos vermelhos azuis
brancos e pretos 
mas ninguém se compara ao goiaba
quando escrevo pra ele
só escrevo pra ele
os mais doídos versos que jamais irei mostrar
uma obra completa de poemas desconhecidos
que escrevo em transe 
poemas sem o saberem
de uma poética abiótica
poemas que não devem saber que são poesia
devem principalmente odiar a poesia
a poesia doutrina poemas rebeldes, maus,
poemas ignorantes e refratários
ao que ela ensina e prega
um poema é um espírito encarnado
um espírito goiaba
como a alma é um espírito encarnado
uma alma goiaba
como é bonitinha
como és belo
meu isqueiro que evoca todos os espíritos
espíritos sem o saberem
que produz organismos vivos
música transcendental
alocuções divinas
sentimentos ternos e afetuosos
aeromancias e prosopopeses
movimento em corpos inertes
a criança nos convalescentes
que viaja para a Pensilvânia
e desembarca na Normandia
que acende a vela sobre o túmulo
a pequena chama de uma coluna de fogo
o sangue dos cavalos de batalha que cura verrugas
como é belo o que foi e ainda pode ser
as passagens subterrâneas
meu isqueiro polaina
para dias frios
noites de neblina sob a lanterna
em frente à caserna
só os tolos passam
por meu isqueirinho goiaba
sem perceberem o que vos digo





24.4.15

Nácar

                                                   

                                                      era uma ostra protegendo outra
protegendo outra 
protegendo outra
protegendo outra

                                                      era uma corda amarrando outra
amarrando outra 
amarrando outra
amarrando outra

                                                      era um galho cobrindo outro
cobrindo outro
cobrindo outro
cobrindo outro
                                                      era uma cadeira com uma perna
ao lado de outra
ao lado de outra
ao lado de outra

                                                       era uma perna ao lado de outra

ao lado da cadeira
                                                       era uma perna ao lado de outra

em cima da cadeira



você quer mais estilística ou a secreção do nácar?
















22.4.15

Claustrofobia

Dois seres e o tempo





 Preciso arrumar uma forma de me impor ao tempo. 
Não à morte, mas à passagem das horas, entende? 
A vida está ficando curta demais para nós.



 Iiih, tô com pressa. Vai se arrumar logo. 
Nem precisa tomar banho. É aqui pertinho.
Lava o cu que tá bom.
















21.4.15

vento calmo



Amarro meu tênis. 
Minha cara virada para a terra.
Ruído de lua. 
O teu poema é um disco voador. 
Não consigo ver. 
Não consigo acreditar. 
Aquele poema dentro de um caixão fechado à marreta. 
Não consigo abrir.
Não consigo gostar. 
Aquele do totem de ontem.
Horrível.
Precisarei do amuleto do carneiro.
Do Bote da Languidez de Balmont.
Rumor de braços.
Despedimo-nos. 
"Frida no meu dark everything é que não vai entrar."
Sorrimos. 
"Pois eu queria conhecer o começo da vida."
Sorrimos.
Vento calmo.
Antes de alcançares o portão da minha casa, 
estarei olhando para o centro do mundo.
São só dois andares.




17.4.15

Rio Ouse






Pare de olhar para mim

Isso não vai fazer bem aos peixes













[não há nada no verso das cartas]

14.4.15

Porque ela não gosta dos Smiths




Porque ela não gosta dos Smiths

23h30

– Sing me to sleep... Sing me to sleep...

– Bonita…

– ...I’m tired and I want to go to bed. Gostou?

– Gostei. De quem é?

– Hum, de uma banda aí…






13.4.15

diga




diga
quero saber
quero saber se sabes de cor
o nome de autor de todas as obras
que publicas sem parar
incessante e
loucamente
no teu saite de arte
diga
quero saber 
pode ser amanhã
se eu misturar minha foto
à de tanta outra gente
como saberias
se eu não dissesse
diga
não me reconhecerias
o que nem importaria
um nome
a autoria
diga

se é pelo nome que reconheces
as obras que publicas 
louca e
incessantemente
entre bolsas de ar de silêncio



12.4.15

Seu nome no céu escreve-se assim

Ordem de Serviço



me faça um poema agora
se eu gostar dou-te trezentos
há palavras que diminuem o cacife
-- alcova mimosa alhures claríssima --
me faça um poema em 24 horas de lebre
um poema breve
que estou sem tempo
e o coração impaciente
um poema com peso de fenemê
acanhamentos de matinê
não precisa dizer tudo
que de tudo pouco se me deu
nem carece rimar
AV Rio Branco com Ribamar
me escreva um prato limpo
uma mulher heterônima
que chega mas não chega
escreva apaixonadamente
aposto trezentos
e publico como dicção do século vinte-e-um
Alabama de silêncios


10.4.15

Amores adverbiais


às cegas, às claras, à toa, a medo

à pressa, a pé, a pique, a fundo


à uma, às escondidas, às tontas, ao acaso


de cor, de improviso, de viva voz, de uma assentada


de soslaio, em vão, por miúdos, por atacado


em cima, por fora, por ora, por trás


de perto, por certo, por um triz


passo a passo, lado a lado


vez por outra








Onde verás um realejo, onde verás um violão





Os holandeses invadiram a Bahia em 1624.

Fiquei polidamente desconsolada 


com a Trappe Isid'or quente 

oferecida por tanto cabeludo em troca de favores.

Vi logo 

logo o que ia acontecer.








6.4.15

Chame o dr. Horder


Pego um cigarro do maço e vejo
que já tem dois em cima da mesa.
Esquecidos. 
Chama-se pressa. 
Ou celeridade pós-moderna como querem alguns.
Angústia de antecipação, diz o dr. Horder. 
Coloco sons de fogo. Só me perturbam.
As achas estalam.
Tiro.
Boto som de ondas quebrando.
Sim.
Firmo a cadeira na areia.
Não sei se fico olhando a praia, o teclado.
Que algo aconteça.
O senhor pode ver daí.
O mar está longe longe, dr. Horder.
E tenho trabalho a fazer.
Queimar mármore italiano para fazer cal.
Praia do Cordão Azul, escrevo na primeira linha.
Imprópria para banhos.
O lixo se move como um cardume.
Pedaços de madeira, plástico, papel, garrafas, entranhas.
É só o que consigo ver daqui.
Flutuam apegados uns aos outros.
Sobem e descem. 
Resistem à força das ondas.
Não querem dar na terra.
Agora se afastam mais e mais de mim.
As moscas repousam no copo que esqueci.
O mar cochicha sem pensar no que diz.
O senhor é que é feliz porque não precisa
aprender as regras da poesia, dr. Horder.
A sua vida é um cisne que desliza sobre rio calmo.
Não que eu as siga.
Mormaço, eu só flutuo nos seus tormentos.
Subo e desço.
Apegada a mim mesma.
A juventude hospedada. Deposta.
Sem acreditar ainda, veio cansada.
É só o que consigo ver daqui.



4.4.15

Como é bom sentar-me em cima de ti





como é bom sentar-me em cima de ti 

quando estás a ler polêmicas de encomenda nos jornais




















3.4.15

APOEM



APOEM

Index
---------------------------------                   3
---------------------------------                   5
---------------------------------                   7
Everybody Is Like Sunday                   9
---------------------------------                  11
---------------------------------                  13
So It Goes                                           15
---------------------------------                   17
Acknowledgments                               19