22.9.15

Antes da noite acabar






Fotos de livros ao lado de xícaras de café. 
Com florzinhas. 
Com cheesecake. 
Sobre uma cama imaculada. 
Com morangos e geleias. 
Sufocados por pétalas e mais pétalas de rosas. 
Sobre um vestidinho de chiffon azul. 
Um edredom de bolinhas. 
Dentro de bolsinhas ecológicas. 
Com canetinhas coloridas, 
marcadores de bichinhos, 
ao lado de bolsas de couro. 
Mochilas de grife. 
Com bonequinho de Harry Potter. 
Uma árvore saindo do livro. 
Folhas abertas com o mar ao fundo. 
Sobre mapas. 
Casacos de tricô. 
Cascalhos de um jardim. 
Madeiras nobres do gazebo. 
Com estante ou sem estante. 
Em dias ensolarados. Sempre. 
Com gato ou sem gato. 
Máquina Royal. 
Um quadro-negro com sua citação preferida escrita a giz. 
Borboletas. Muitas borboletas. 
Óculos de todos os tipos. 
O smart. 
Nada de cigarros, são dias de sol. 
De ar puro. 
De cultura livresca. 
De canecas escritas. 
De gente limpa. 
De cabelos lavados e soltos. 
Blogs de livros. 
De fotos de livros. 
Você começa a enjoar daquilo. 
Do café. 
Do livro. 
Da florzinha. 
Do gato. 
Da livraria. 
Do autor. 
De si mesmo. 
De sua capa e contracapa. 
Do seu miolo. 
Você começa a enjoar antes da noite acabar. 
Com a mão cheia de comprimidos.



16.9.15

Reflexões tediosas num quarto vermelho ouvindo Being Her Shadow




(À Inês, a Santa Padeirinha)


Olha aqui. Pega seus cumpadi e umas cumadi, cria um jornalzinho, uma revistinha, um sitezinho. Ponha um nome assim que todos achem chic matador depois de muita porradaria e discussão. Daí primeiro vocês se publicam entre sis. Aquela velharia toda acumulada nos arquivos. Quando cansarem, ou estiver pegando mal a falta de diversidade, publiquem os apaniguados, conterrâneos, o cousin, a cousine, um credor, whoever queiram levar pra cama, e todo o catálogo de autores da editora pela qual você terá uma chance de ser publicado. Essa mesma, aquela em que você está de olho. Puxe o saco do grand auteur, dos acadêmicos da marginalidade e dos que têm uma quadrilha de fãs por trás de si. Puxe por igual. As minibios têm de ser maiores do que os poemas. Se possível, a cada poema publicado, tasque o currículo. Não se esqueça de mencionar os prêmios, de que sociedade ou instituição é membro, e o nome do empregador, se for de marca. Faça citações. Seus poetas mortos preferidos. Na hora de falar dos vivos, não quer ser injusto. Não fala de ninguém. Ou lembra do cumpadi. Do credor. De um poeta-editor-performer com muita penetração na Bahia. Se tiver uma história de vida sofrida, sofra sofra tudo outra vez ao recontá-la, parece que foi ontem. Miséria, alcoolismo, assédio sexual. Obrigatória presença numa rede social pra falar de você num loop interminável. Obrigatória presença em lançamentos, debates, feiras de livros, mesas-redondas. Plantar notinhas na imprensa, grande, média, ínfima. Divulgue suas fotos. Vídeos vídeos vídeos. Cara séria, sofrida, meditabunda. Na frente de um computador, de preferência. Na porta de um museu de artes. Na frente da réplica do Grito. Num boteco. Tudo depende do freguês. Espere respostas e elogios. Ânsia ânsia ânsia. Você está ali para ser elogiado. O poema é um detalhe. Que lugar-comum. Essa não. Eu tive tanto trabalho. Suei sangue. Compare o seu com o do outro. Sofra. O do outro é melhor. Por que não pensei nisso? Uma bobajinha e ficou tão bonito. Insista. Insista. Insista. Um dia você aprende. Repita comigo. Na hora do porre, você chora. Eu sou um merda. Há quem console. Não é não, bem. O mercado é assim. A literatura é assim. E começa a ventar. As janelas batem. Você quer se matar. Mas antes precisa telefonar. Essa é a história da poesia que todo mundo está cansado de falar. Faço farinha. É a mesma catequese desde o Grande Piahy. Epa, pera aí. Tem um poeminha seu que você quer que saia num jornal bacana. O jornal melou. É tudo filha da puta. A editora liga. Uma outra. Verdade? Vocês são maravilhosos. Yes. Saia pra comemorar. Você merece.





15.9.15

Deus é bom, três é demais




ver as paredes
ver o mato
limpar a mesa 
arrumar as canetas
calar-me
alongar as juntas
as separadas
ver a tela
fazer correções
calar-me

mando um coração calado

a um poeta querido
que tem muito mais a dizer

ver as paredes

o nível da caixa d'água
quantos cigarros me sobram de vida
se falta uma palavra, escrevo na margem
ser o espaço vazio dentro do jarro

Deus é bom, três é demais



7.9.15

o edifício de kebbi




Ela se atira todo dia do edifício de Kebbi.
Faz menos sujeira, diz.
E os traços são mais vivos.

[Não acredito numa palavra de um publicitário.]


Eu amo você de longe.

Sem feri-la.
Sem quebrá-la.
Sem ouvi-la cantar suas canções preferidas.
Gota a gota verto minhas palavras
numa inocente folha de papel branco.
Versos de um poeta turco
na varanda do andar de baixo.

Ela se atira todo dia

da janela amarela do edifício de Kebbi.
E não diz a ninguém onde fica esse lugar.
Também não sabe se alguém já se atirou
daquela janela amarela em um outro edifício.

A chaminé do vizinho voou com o vento.

Aproveito o desenho.

Edifício A ou B.

Pessoa A ou B.
Eu quero me espatifar em cima de você.
O meu sangue é doce tipo O.
Seca rápido.
O médico tem de ter muito cuidado
ao me arrancar uma tripa,
quando vira os olhos
já coagulei

Red Red Red Red Red Red

fôlego fôlego puxe puxe
amarre as almofadas na minha cara
quero-a intacta, para levar com você
sua mesa de cabeceira, abra espaço
apoie no queixo
meus olhos pra baixo
não verão mais você
sua coleção de canetas
em minhas órbitas
não peça para ser publicada
não se humilhe
não peça para-quedas

de linhas escritas

o afresco tumular
resiste mais ao tempo

há uma coisa melhor 

muito
do que sangrar dentro de você
é ouvir o Coro do Patriarca Russo
de frente para a janela amarela
os solfejos de Rita Streich em Saint Säens
me sinto no paraíso já
um paraíso picotado
na praia de Buarcos

qual o sujeito?

qual o objeto?

o mundo será César até morrer






6.9.15

Ceci




maira 2015



1.9.15

Dead sigaretta



pic by maira