31.10.15

Poesia



Eu não sei perseguir
uma pulga
colocar na unha
esmigalhar.
Espero que ela salte
pego
sufoco entre os dedos
até ela esquecer que é pulga
até eu esquecer que é pulga
até eu esquecer que estou
olhando pela janela
e escrevo 
estou com uma pulga entre os dedos.
Todo poeta é um picareta
alguns com pulgas gordas
outros com pulgas anêmicas.
Pela janela todos plantam alfaces.






29.10.15

Como se fosse um perigo





E assim fomos obrigadas a fugir daquela fazenda,
como se fosse um perigo e não uma palavra.



gosto de poetas fracassados
de escritores de papel de pão
que nunca vieram à luz
de poetas sem brilho
que rabiscam nas baias
escovando cavalos
de poetas insignes
que só chegam à madrugada
quando a casa está a dormir
na cama de molas da insônia

quanto a mim, nada digo

mesmo palavras que me forcem 
a encontrar um livro enterrado 
na areia molhada de um mar que leva
as páginas mais importantes





24.10.15

1 poema de André de Leones





Amar
                                              para Maira


dizia
até ontem não saber que Armand Amar
nasceu em Jerusalém
ele nasceu aqui, sabia?
estávamos na varanda
ela fumava Marlboros, eu bebia Goldstar
sharav abatendo Jerusalém
tudo aqui ganha uma dimensão bíblica
cada bloco de concreto uma hipérbole
eu bebi um gole e concordei com a cabeça
não disse nada
gostava de ouvi-la
Armand Amar nasceu em Jerusalém
repetiu
num tempo em que ainda se nascia em Jerusalém
e hoje? perguntei
hoje?
ela sorriu, tragou fechando os olhos
hoje só se morre
em Jerusalém



(André de Leones, 22.10.2015)



22.10.15

Só uma vez - Videopoema - Maira Parula



(Música: Armand Amar, “City of the Birth”.
Vídeo de domínio público dos Prelinger Archives: 

demolição do Star Theatre, Nova York, 1901, 
direção de Frederick S. Armitage.)


21.10.15

that is cough







I exist as I am,

that is cough.








17.10.15

16.10.15

Só uma vez



Ela bate à máquina freneticamente, sorrindo, olhos fixos nos seus tipos. 
Parece ouvir uma voz muito longe de casa 
e apressa-se em registrar o que ninguém disse. 
Nesses momentos não se sente responsável por mim. 
Estou na poltrona ao seu lado. 
Vejo-a de baixo. 
Seu pescoço fino. 
Uma mecha de cabelo preto caindo na testa. 
A pulseira dourada subindo e descendo no pulso. 
Não adianta eu querer chamar sua atenção. 
Barganhar ausências de um escuro já vencido. 
Comentar que o dr. Martin ligou e pediu-lhe para ligar depois. 
Quer trocar o horário da consulta. 
Dizer desse tempo tão seco nosso que arde o gramado lá fora. 
Dar uma caminhada e voltar amanhã.
Ela bate e bate, inventando enfermidades e desgraças. 
A cada segundo treme o relógio atrás do seu ombro direito nu. 
Às vezes ela para e me pergunta a capital de um país remoto. 
Respondo e a máquina se enfurece outra vez. 
Ouço suas aulas de canto. 
Suas traições com periódicos, revistas, livros.
Seu rifle de caça. 
Ela me quer num estado vegetativo ereto. 
Que eu não perturbe nunca suas horas azuis. 
Os poemas que tem encharcados na cabeça. 
Os ensaios do seu espírito.
Eu gostaria de encostar o ouvido na sua boca.
Dentro do seu animal. 
Dos seus móveis pesados.
Eu gostaria que ela parasse de brincar de não nos vermos. 
Gostaria. 
Que nos preparássemos para começar a vida toda de novo. 
Só uma vez.  




4.10.15

Não fui eu que pedi



-- Vamos ver o que temos aqui.
Não fui eu que pedi. Ele quis ler.
O copo de água gelada suava em sua mesa. Ele abriu o caderno espiralado. Acendi um cigarro e fui até a janela do oitavo andar. Havia um comício lá embaixo. Um bando de cem com bandeiras de algo que pouco me importa. As janelas do antigo escritório eram gradeadas. Não pude nem descansar os cotovelos no peitoril. Mal vi o céu. Ouvia só sua respiração. Toda vez que alguém respira sinto falta de ar. Dois maços de ar. O cigarro ia acabar e ele ainda estava de cabeça virada para o tampo da mesa. Virava as folhas do meu livro devagar, puxava os óculos para a ponte. Atrás dele uma estante. Fui até lá. No caminho não bati as cinzas no cinzeiro da mesa. Joguei no chão atrás dele, fingindo olhar lombadas. Nada que me interessasse. Cartas Celestes, Zen budismo, Figures de Lukacs, Bertrand Russell, Contradições culturais do ca... um globo de vidro. Suspirei. Apaguei a guimba na palma da mão direita. No silêncio sem dor. Um mamilo começou a coçar. Não cocei. Fiquei esperando a sensação aumentar até ficar insuportável. O celular vibrou na mochila. Abri e desliguei sem nem ver a tela. Ele agora folheava mais depressa. Quando esse movimento acelerou, olhei por cima do seu ombro para saber em que parte do livro ele estava. Quase no meio. Que poemas eu havia colocado no meio mesmo? Aproximei-me do encosto de sua cadeira e fixei-me no caderno. Low-down. Ele lia Low-down agora. Na certa vai me sugerir um título em português. Ou título nenhum. De longe reli o poema. Quando acabei de passar os olhos no quinto verso, meu olhar escapuliu para a direita. Para o polegar que segurava a folha. Para a unha do polegar que segurava a folha bem no quinto verso. Aquele dedo branco, curto, grosso e de unha roída. Uma unha podre. Levantada, oca, amarelo-escura como catarro. Esse tempo todo ele passou aquela unha pelos meus poemas. Não sabia dos outros dedos por baixo da folha. Dos dedos que apertaram minha mão quando cheguei às 15h30 em ponto no escritório da editora. Sinto um bolo no estômago e volto para a janela, quero respirar. O comício chega ao fim. A pequena multidão se dispersa lentamente. A unha podre sobre os meus poemas. O ponto de ônibus começa a encher. Ele gira na cadeira. Estou de calça jeans e mangas compridas vermelhas. Olho minhas unhas. Um pouco roídas, mas perfeitas. Limpas. Quase transparentes. Ele me chama, ergo rápido a cabeça e sinto uma leve vertigem. Não sei se aquela unha fede. Se vou levar de volta para casa aquelas páginas fedidas. O ônibus enfim aparece e ele me estende o caderno sem um comentário. Não quero olhar. Jogo os poemas na mochila e fecho. Ele recosta-se na cadeira, toma um gole de água, olha para o teto pensando e depois sorri. Vai publicá-lo. Pago a passagem e sento num banco vazio. Quando o ônibus alcança o meio da ponte, atiro as folhas na Baía de Guanabara.



2.10.15

Diários de X





Leio os Diários de X
e minhas costas suam.
A água me causa repulsa.
Não procuro nada novo.
X me dá o que quero encontrar.
Encosto na cadeira de jacarandá.
Varanda fria entre palmeiras.
Vidraça que me separe das páginas
e do trote dos seus cavalos.

A chuva traz um vento 
com cheiro de sangue
e me chamam para almoçar.
Hora de uma camisa limpa
para marulhar bondades.




1.10.15

[cada um sente de um jeito][




Vê essa parede?
Cada um sente de um jeito.
Eu sei.
Uma parede é pouco pra mim.
Estou ali dentro -- não vê?
Guardada,
escondida,
apertada,
arranhada.
Você não vê
o rosto que tive
concreto da cor da sua pele,
do meu sangue que ainda
circula pelo seu corpo.
Cada um sente de um jeito
e você foi vender livros de poesia,
você foi vender livros de poesia
enquanto ela chamava
dentro de uma parede igual.
Cada um sente de um jeito
e você foi vender livros de poesia.