26.5.16

Correspondência de Nietzsche a Koeselitz




Carta de F. Nietzsche a Koeselitz, janeiro de 1882.

(in Goethe-Schiller Archive, Weimar)









Que traduzimos à pressa no metrô ontem especialmente para cá.










22.5.16

On & On





Poeta quando bate a fama não fala mais Poesia – fala Literatura.
Deixa de ser Poeta – fala Escritor. Repara nessa tradição oral.
Começo a tremer. Pensei que esse mundo já havia implodido.
Estico o braço.
H começa sua performance.
Atende na linha 1.
O mercado quer romances.  
Pare de falar em poesia.
Dê voos mais altos. A poesia passou.
Estamos ao vivo. Com fatos.
A felicidade é uma câmera quente.
Uns escrevem para os outros. Entre si.
Eles mesmos se leeem. Se premiam. Reparo.
H jamais quis ganhar dinheiro com literatura.
Se quer ganhar dinheiro com literatura, você é um merda, diz.
Se te procuram para ler a mesma coisa, você está morto.
Quem do Largo os conhece?
Poetas e seus egos ridículos, ela aponta a seringa.
Minha irmã era professora primária. Usava uniforme limpo.
Ergo as mangas. Corrijo.
Dava aulas na Zona Oeste para eu poder ser poeta.
Traduzir-lhe as letras das canções.
Voltava para casa suja de terra.
Terra.
Ninguém olha o céu e as estrelas como você olha, disse H que a irmã disse.
Não posso abandonar a poesia agora. Trair um sonho.
Eu que já havia me vendido, calei.
Meu corpo inteiro é traição. Êmbolo.
O Ressentimento de H me bate como uma tara.
Foi a poesia de H que acabou.
Os poetas são seus próprios coveiros.
E o são em versos.
Engulo um maço de cabelos.
Entra a música.
Para escrever tem de ter ódio por dentro.
Areia nos dentes.
O relógio enferrujado do pai cravado no peito.
Você leu alguém que era assim.
Concordo. Apago.
Dou um gole no resto da cerveja.  
Vejo as palavras de H numa videoinstalação rigor mortis.
Minha irmã não me procura mais.
Vive em algum lugar.
É daí que tenho de começar.  
As luzes do Largo se acendem.
Olho a praia aterrada.
H não tem pressa.
Tem oito segundos.
Ombros.
Abaixo as alças do seu vestido.
Estamos em 1998.
Telhado Azul é o nome do bar.
Mesa do fundo.
Ninguém.
Lembro de um amigo assassinado.
Poeta.
Assassinado por evangélicos auto-homofóbicos.
Entre o medo e a fé, quebraram seu pescoço ao meio.
O crime ficou impune.
A Poesia não.
A saia plissada.
A Escola Normal.
Assassinadas por evangélicos da Zona Oeste.
Literatura, vai à merda.
Olhe as estrelas.  
Na bandeira nacional tem estrelas.
Ninguém olha as estrelas como você.
Uma primeira gota escorre.
Vou morrer no colo de minha mãe.
Assassinada de uniforme.
Ensinando inglês.
On & On.
Apago o cigarro na poça de meu sangue no chão.
Guardo o garrote.
H paga a conta com a correição de escritores famosos.
Olha a praia aterrada que eu vi.
Arrasta a cadeira.
Agora ela sabe línguas.
A poesia combalida de H me bate como uma tara.
Os pombos voam assustados quando saímos da água
e atravessamos o Largo para o deserto.



21.5.16

some





Sometimes  I’m  still  you








20.5.16

Galinárias




Ignorantizar-me
agalinhar-me
agrestizar-me
Olhar-me no espelho e ver um boi
Desaculturar-me
cocórizar fonemas mínimos
desencefalizar-me e,
às margens do Hidaspo,
bucefalizar-me
Ordenhar vacas
gado grosso
Desgramatizar-me
agraminear-me
chicletar capim e caboclos-d’água
Destumular terras
acachaçar-me em Alfaterna
ver melros brancos
estrelas de chão de rio
cultuar bolos de trigo
sóis pesados
dormir com alicates
lavar-me em pedra e
desprimaverizar-me
vaporizar
arder

E quando a ordem do exército em marcha
tibrear-me num curso tranquilo,
alabambino




18.5.16

uma tarde para morrer



What would you think I see
if I could walk away from you
ela cantava olhando nos meus olhos
de uma noite que acabasse em nós
e na minha frente poucos calavam a boca
das três páginas que eu tinha de ler
depois da nossa página seguinte
cavo um buraco abemolado
minha cabeça uma casa difícil de evitar
deixo o grave como está
atenuo médios e agudos
pelas paredes paralelas
e cantos vivos da sala
eu poderia dizer o momento exato
em que cheguei a essa fusão
o dia o lugar a companhia ao meu lado
onde havia a curvatura da Urca
uma tarde para morrer
carros compassando
barcos não muito jovens
minha mão na urna separando lascas dorsais
erguendo as cinzas entre os dedos roídos
a brisa trazendo o teu pó aos meus pulmões



17.5.16

Varanda









Varanda




Nas noites mais frias


faríamos meninas














4.5.16

Terra de baixa frequência




Terra de baixa frequência,
eu corria atrás da enfermeira ferida
sob o sol, mata adentro.
Na mesa comemoravam o seu Joyce Awards
por algum trabalho que eu não sabia.
Seus amigos riam de mim,  
elogiavam o seu Laser Turntable
que valia “uma boa grana”.
Esses são seus amigos. 
Minhas mãos apertam o pescoço da enfermeira,
imóveis palavras saem dos seus arregalados:
Quando se sangra por dentro
o que fica na boca é um gosto metálico
que se espalha até o fundo da garganta.
A hemorragia primeira é toda na cabeça.
No coma você sonha com o passado
e vi a face de minha mãe crispar-se.
O esquecimento não tem hora de começar
porque o esquecer não sabe como faz
e seus amigos riem de nós.
Na morte nem o corpo fica imóvel,
esses são seus amigos.