8.5.17

Pantomima




Os bichos saíam pelas capas. 
Pelos buracos roídos no papelão. 
Não piolhos de livros 
que de ventre inchado de polpa 
sobem paredes úmidas num arrasto de digestão. 
Nem traças -- a Ordem Thysanura que se esconde durante o dia. 
Maiores. 
Ancilóstomos. 
Lumbricoides. 
Eu coçava o corpo inteiro. 
Levanto e jogo uma água no rosto. 
Cubro-me de óculos. 
Estão por toda parte. 
Descendo uma prateleira, a outra. 
Trilhando lombadas. 
Fugitivos de bueiro saltando de dentro do miolo,
encolhem o corpo viscoso para forçar passagem. 
Os menores, infantes, despencam ao abismo dos meus pés. 
Não acendo a luz do teto. 
Não preciso ver mais do que estava vendo. 
Viro-me à cama de onde saí. 
Nada. Limpa. 
Seria mera questão de tempo. 
Passo a mão no cabelo com o pouco tato do desespero. 
Nada. Nenhuma superfície mole e molhada. 
Eu estava seca. 
O ar frio penetra-me os poros. 
Ergo os olhos e acompanho a pantomima à minha frente. 
A movimentação aleatória dos protagonistas. 
Tento ouvir uma fala. 
Traduzir onde não há esqueleto. 
Minha audição desperta.
Juraria que conversam. Trocam comandos. 
Alertam-se do perigo que represento. 
Eu poderia matá-los pelo fogo.
Decepá-los seria duplicá-los, triplicá-los. 
Cada pedaço se regeneraria em novo indivíduo. 
Estão comendo o que milhares escreveram.
As histórias que me contam desde a infância. 
Roem a mim. 
Outras têm seus livros 
mas estas são as que li e acrescentei minha vida. 
Escrevi-as em parte. 
Decepei, dupliquei, tripliquei. 
Sinto uma ânsia de vômito no entreato. 
As cenas se desenrolam num palco elisabetano. 
Mambembes, rastejam pelos vários níveis de arquibancadas.  
Não sei mais se sou palco ou plateia. 
Se me observam, se perguntam o que estou fazendo ali
ainda de pé na porta de sua sala de jantar. 
Se não vou me deitar para o repasto. 
Eles não param o que fazem para tentar me escutar.
Talvez não precisem. 
Talvez me ouçam de outra forma. 
Por nervos, por sentidos. 
Pelo que poderia lhes dizer a representação do meu choro.
E então choro. 
Solitária enfim, choro e me curvo úmida numa reverência. 
Rastejo e me desmancho sob seus aplausos.