25.9.07

A carta de Helsinque



Ele colocou os livros na mesa e abriu a carta de Helsinque. Agora vêm as notícias. O que penso que lerá nessa carta? Anna não virá nunca mais. A cena se repetia todas as manhãs: quando o telefone tocou ele ainda não havia chegado. Ouvira falar dos livros e comprou-os. Tudo muito por hábito, pensava idéias que todo mundo fala sem notar a diferença das suas. Idéias comuns sempre chegam mais cedo do que se espera. Começou a ler sem interromper a continuidade do silêncio. O papel fino tremendo nas mãos. O papel dos livros é duro. Não verga. A carta era breve, 265 palavras e a assinatura final. Vamos terminar por aqui. Ele já tinha notado a diferença. Anna não virá nunca mais. Poesia toda numa só. Ano passado ela disse que voltava já. Ele ficou esperando e comprou livros. Das 265 palavras, 42 foram usadas uma só vez. Distribuídas em um único parágrafo de frases com sujeito obrigatório e algumas agramaticalidades. O sujeito oculto estava em algum lugar. Vamos terminar por aqui veio seguido de uma pausa: cinco linhas em branco. Ficção da indiferença. Ele pensou em preencher o espaço com desaforos e devolvê-lo ao remetente. O acaso é um processo, eu pensei em dizer, sem coragem de chamá-lo pelo nome: eram letras borradas no destinatário do envelope. Sei que ele gosta de ler livros, já o irmão é alto. Todos sabem. Anna conheceu o irmão em Helsinque. Ninguém sabe. Ele colocou a carta dentro do livro. O papel da carta é mole, o papel do livro é duro. Mal os sentia agora.

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