31.7.10

Bête comme un peintre


Deve ser por aqui.
Assimetrias sutis é como o artista
diz de suas peças tortas, lascadas,
espalhadas pelo chão, dialogando.
Apuro o ouvido. Parecem quietinhas.
Geometria sensível é onde não se
passa a régua. A estrutura é uma
consequência do desenho e vice-versa.
Sinto uma pontada na cabeça.

Minha mente começa a embaralhar.
A consequência é uma estrutura
do desenho e vice-versa.
A estrutura é um desenho
da consequência e vice-versa.
O desenho é uma estrutura
da consequência e vice-versa.
O vice-versa é o desenho
da estrutura e consequência.
Puta que o pariu.
Eu só estava procurando um bebedouro.




Assim me foi repassado em uma bolinha de papel amassado encontrada
num banheiro público dizendo em tinta vermelha o Bête comme un peintre ou Um dia no MaMMa, museum AND modern modern art, ou Basquiat c’est moi ou Traga-me um copo d’água tenho sede, entre outras anotações e rabiscos como De quem era o número de telefone 2913853 que você escreveu em AZUL 0.8 no índice do meu Mário e que só descobri agora?







22.7.10

Enfibraturas do Ipiranga




Bar do Tom. Rua Adalberto Ferreira. Sábado, 21:33. Barbudo maltrapilho com sotaque francês fala com gerente. Diz chamar-se Alfred e quer vender um desejo que ele mesmo fez. Em português é desenho. Um autorretrato seu com George Sand. O gerente olha desconfiado, não compra e oferece um chope pipoca como compensação. O francês bebe de um trago só e antes de sair agradece: Mon verre n’est pas grand, mais je bois dans mon verre.

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Pizzaria Rosca Soberba. Estrada União Indústria. Domingo, 19:30. Mesa 7. Homem branco, caucasiano, sub-20, magro, cabelo máquina 5, preto tingido, tatuagem farpada no pescoço. Estado de ânimo: azedo. SMS: “Dani, eu não tuíto, mas ainda sou gente, tá?”. Pedido: 1 minicalzone napolitana, 2 chopes. Tempo de espera: 12 min. Tempo de consumo: 6 min. Conta: 32,90. Gorjeta: 0. Garçom Geraldo, voz interior: Maldito debiloide mão de vaca.

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D’Amici. Rua Antônio Vieira. Quarta-feira, 14:45. O almoço está na mesa. Perdiz ao molho de vinho branco e ervas. Tem quem escute crianças brincando na rua. A mulher esquecida do mundo fica olhando a perdiz torcendo para ela gostar do seu estômago. Que seja inteligente e boa, deixe-se levar. Mesmo assim engole em seco, garfo no ar. A perdiz não desabafa mais seus sofrimentos. O público não deve de saber certas coisas íntimas. Sobremesa: petit gâteau de goiaba com sorvete de queijo. Enfibraturas do Ipiranga.

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Espírito Santa. Rua Almirante Alexandrino. Quinta-feira, 22:15. Não é possível comparar uma alfavaca com outra alfavaca, diz o pai. Nem me interessa saber. Faz uns vinte anos e coisa que não sei mais o que é o coração de um pintado, aduz a mãe, salivando saudade de parentes muito longe em longe. “Coração de um pintado”, ecoa o silêncio entre talheres. O filho ali, nem triste era o caso. Sem vontade. Mole, aguado, simbolista. Esse prato vem ou não vem? Meia hora depois dispensam o céu na terra. Não o cafezinho. 

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Tia Palmira. Rua Caminho do Souza. Sexta-feira, 13:50. Rodízio: camarão-pastel-siri-polvo-peixefrito-bobó-vatapá-moqueca-sururu-lula-pirão-farofa-de-dendê. Yedda lembrou da barriga e tirou os traços-de-união. Modesta, só vatapou. A gula já lhe roubara três namorados e duas amigas naquele ano. Ela não sabia que uma simples barriguinha intransitiva pudesse magoar tanta gente. Fecharia a boca para a vida. Amanhã. Sempre amanhã. Por enquanto olhar o prato lhe acalma.






15.7.10

Diadorim



Diadorim.
Diabo de dorzim. Das Dor.
Diadorim.
Nome de estrela do céu mais baixo.
De joaninha.
De comprimido. Dia do rim.
A gente lê Sêo Rosa e fica assim.
Falando línguas.
Se tem certa velhice, fica lembrando,
coisas, tudo tintimportintim.
Se não tem coisas, o sonho traz, inventa.
Fato por fato. Começo, meio, meio do meio,
fim do começo, começo do fim, e o do
fim exatamente. Que fim não tem meio.
Depois acorda e esquece do lembrado.
Vive a vida corrica. Uma só.
Que é vária e não se vê.
Diabo de dorzim. Diá de Sê o Rosa.
Diadorim é mulher só no final. Morta.
Sêo Rosa desvestiu.
A veredas só tem mulher diadorim.
Mulher feitio de homem. É ninguém.
Deve de lê Veredas com óculos de proteção, advirto,
que o dito respinga na gente e a memória
do coração minha mistura na dele, faz um caldo
grosso que não tem ralo que passe.
Ferve. Encolhe a carne da palavra que
eu tenho, fica um tantinho só. Dá vergonha.
De jumento espiando cavalo de raça. Não tem parelha.
Veredas é papel de ler em árvore da sombra do céu,
que não tem mais no de-Janeiro. Virar páginas
respirando curtinho. Contando nos dedos.
Não em poltrona de trem-bala, a vida passando
borrada. De onde se apeia quando a estação quer.
Ler até arder a porta do olho, a do fundo doer.
Jagunçada é pra encher linguiça.
Afazeres de livro gordo. Bote aí mil-e-quinhentos bois,
dezessete e setecentos cavalos entre burricos,
duas das mil carabinas e winchester, o mesmo número
de cabras tocando tudo, uma vingança por dia em vinte anos,
os gerais inteiro e soma a epopeia. O quebrado da conta é
o falar de amor. Amor encoberto. Dos pior.
E outras metafísicas estufadas.
Tesconjuro diminuir a história assim. Tirar água da carne.
Vá ler outra vez, vai. Dia dorzim.