18.5.11

palavras-chave



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como o books.google. com.br resume em poucas palavras o meu livro Não feche seus olhos esta noite.



16.5.11

A lareira finalmente ficou pronta




Daqui a trinta anos ou hoje mesmo recostará na poltrona diante do fogo e lembrará outra vez do dia em que ganhou a medalha de prata do torneio intercolegial de vôlei. O problema será evitar que os pardais construam ninhos no alto da chaminé. Não me agrada a ideia de sufocá-los enquanto aqueço os ossos com a mesma lenha que usarei para queimar minha antiga coleção de cartas encontradas na rua. Os velhos cartões-postais de amigos em viagem, fazendo de tudo para não se esquecerem disso. Caixas de fósforo do mundo. Palitos de todas as cores e formatos seguindo trechos do mapa. Uma fina camada de desonida no rosto. Ontem no metrô gritei inha e dois terços das senhoritas olharam para trás. É um velho truque que R. me ensinou quando não se consegue lembrar o nome de uma mulher. Parole morte. Não dizer muito. Dizer o que basta. Aula de métrica, primeiro semestre do segundo ano. Para controlar a sobrecarga de expressão da juventude. Quando a palavra é pouca, leia-se por dentro. Tirando a casca com a delicadeza tímida dos violentos, para que não se rumine além do necessário. Não precisa ir muito longe. E o amor é sempre uma boa desculpa para ficar. Enquanto atiça o fogo, outras línguas morrem junto com os pardais.





6.5.11

O prefácio





A Solitaire é a única herança que meu pai me deixou. Uma casa colonial avarandada de doze quartos que depois de sua morte transformei em hotel. A trezentos quilômetros da capital mais próxima, não há mar nem montanha ou fontes de águas minerais. Nada que possa atrair turistas ou enfermiços. É apenas uma passagem, uma parada para um viajante cansado. Meu pai era comunista, ou pelo menos foi o que sempre ouvi. De minha mãe nunca se falou, e eu também não perguntei. Quando completei dez anos, ele me colocou num internato na capital e só voltei à cidade depois de minha formatura para tomar conta da casa. Não me disseram como ele morreu. Não vi o corpo. Não velei. Não enterrei. Mandei rezar missa porque assim quis a família, duas irmãs solteironas carrancudas a quem nunca chamei de tias. Eram as senhoras. Não vi o corpo do meu pai porque não havia corpo. Ele desapareceu. Dez anos após seu sumiço foi dado como morto. O vizinho da fazenda ao lado disse que meu pai foi levado por soldados do exército numa manhã de novembro de 1973. Ninguém da cidade se coçou ou comentou. Trancaram portas e janelas e deixaram o tempo passar. O tempo passou e levou também o meu vizinho, morte natural, falência múltipla de órgãos e hectares. As senhoras me pediram para eu trocar o nome da propriedade. Solitaire era um nome triste, de recordações infelizes, e estrangeiro ainda por cima. Não concordei porque foi como sempre conheci a casa, não porque gostasse particularmente do nome. Não me afeiçoo a palavras. Elas insistiram e quando me perceberam irredutível, disseram que era um nome de mau agouro, nome de bordel, de mulheres à venda. Solitaire não passava de uma puta. A vagabunda da capital que fez meu pai se meter com política. Não estiquei o assunto. É tão desconcertante presenciar anciãs perdendo a compostura. E se meu pai morto estava, morto também estava o passado. E passado é fruta que não se abre. Expulsei as duas de minha propriedade e só as veria novamente no dia de sua dupla morte, hanseníase. Escolhi os caixões mais baratos e as enterrei no cemitério da capital, para ficarmos bem mais longe do que na morte. Não demorei para decidir o que faria com a casa. A Solitaire hoje fica na beira de uma estrada nova e movimentada, mas seu interior é todo silêncio e calmaria, o que nenhum hóspede entende. E por ser assim, seu nome ganhou fama na região e seus quartos raramente estão vagos. As tarifas não são caras e servimos um farto café da manhã, além de almoço e jantar. Eu aqui vivo sem ninguém, só com a ajuda de três empregados. Um para cuidar da parte externa, outra para a parte interna e a cozinheira. Ganho o suficiente para viver e mais do que viver não preciso. Moro no quarto que era de meu pai porque assim decidi sem pensar. Durmo na cama que era dele, guardo minha roupa no armário dele e escrevo na mesa que ele deixou para trás. Os móveis antigos são mais resistentes e não vi motivo para renovar despesas. A escrivaninha fica de frente para uma janela que pouco abro e tem seis gavetas fundas onde guardo minha minguada papelada e os documentos que meu pai não queimou. Guardados na mesma pasta que encontrei quando voltei, os papéis amarelecidos do meu pai são a escritura da propriedade, recibos de armazém, uma nota de compra de um relógio Omega, receitas de um oftalmologista da capital, bulas de remédios vários e um caderninho preto de anotações manchadas de café. Na primeira folha, com uma letra miúda de oblíquo anonimato, alguém escreveu Solitaire. Não há datas, nomes, endereços ou telefones. Nenhuma confissão particular ou assinatura. Nada que tenha interessado à família ou à polícia do exército. São frases de sentimentalidade incoerente e observações fragmentadas, memórias infantis, algumas escritas em formato de poesia que parecem ser poesia mas desconheço. Nunca perdi tempo avaliando qualidades abstratas. Às vezes penso que são mensagens cifradas. Alguma forma oculta de solidão ou patologia. Não procurei saber a autoria nem por que meu pai guardava aquelas bobagens de sua importância. Levei meses para entender a caligrafia exasperante e traduzi-la para a minha, que transponho para este livro não sei por quê. Posso ter errado algumas palavras. Inventado outras. Deixado em branco. Meu pai agora não precisa mais perdoar a ninguém.