31.3.12

As pás



As pás do ventiladoraspásdoventiladoraspásdoventiladoras
pásdoventiladoraspásdoventiladoraspásdoventiladoraspásd 
oventiladoraspásdoventiladoraspásdoventiladoraspásdoven
tilador as pás do ven ti la dor as pás. O significado dos poe
mas é secundário. Você não devia sair com ele. Como com
os jornais da manhã quando não é chegada a hora. Lao-tsé
não quis ter um nome para marcar-lhe a cara. Nisto trabalh
o só. Eu e Pentesileia, transformadas em irmã. Para que nin
guém duvide dos meus étimos, do meu particípio passado. 
Após o sujeito indispensável a pausa. Uma frase de cons
trução invertida. Como as próprias pedras que se 
movem para escutar quem lhes deu de comer.




29.3.12

Cinza




O dia estava cinza.
Cinza a poltrona do avião.
Os maxilares da casa.
A porta do chuveiro.
O que não se tem mais a esperar.


O dia verde estava cinza,  não podia escrever outra coisa. 







19.3.12

O nojo



Falo do nojo porque para mim agora não há outra sensação. Nojo real. Me repulsam odores. O cheiro da casa. O cheiro da comida. O cheiro do meu corpo. De corpos estranhos. De corpos queridos. Dos estados de intensa impaciência. Conteúdos latentes. Eu estava sozinha na varanda fechada quando o nojo chegou como bois na canga. Limpei a vidraça com a manga da blusa e reconheci os caracteres. Nojo. Uma versão aperfeiçoada da vingança. Vomitei seis vezes num capítulo único. Pode-se acompanhar e adivinhar o final. A autocomiseração. Uma ida ao médico. Responder às ameaças noticiosas dos manuais de saúde. Me fazer perguntas desconcertantes. Não suporto mais o cheiro do mundo e seu pó de café. Minhas estranhas espécies de vida. As mãos brancas e trêmulas, o coração empinado passando pelos quartos, evolando túmulos. Perdi já uns quatro quilos em poucos dias e o máximo que você pode fazer é pensar se eu perdi ou não. Que estou mentindo aqui enquanto você lê sem a minha presença, dividindo as substâncias. Engraçado como às vezes as pessoas dão a impressão de estarem pensando nas coisas quando na verdade só estão respirando o fôlego curto da civilização diluída passando lotada. Mas o poder da repulsa é tão forte, assim estirado na cama. Como moscas pilhando o doce. Um peixe de vidro. A cor do tijolo em meio à paisagem ácida. Começa e não sei onde acaba. Tem um canto e não vejo o outro. O nojo puxado por mulas. Untando o corpo das jovens de bilirrubinas. Laguna é o vazio da consciência, petit mal. O lapso. Percebo que seria mais fácil se eu desenhasse pois o nojo passa para as palavras, segue para o sul, corre de novo para o norte, por uma janela redonda, e por alguma razão mantém-se sempre na mesma altitude. Acendendo e apagando, esparramando-se dentro de mim. Um vulto desconhecido até que eu entre na casa novamente, pegue o meu rifle, interrompa o vazamento e volte para a minha cama. Tudo isso era bobagem, que Deus me ajude. Eu estava a meu serviço e desembocaria noutro sonho que levaria tempo para desaparecer: um livro que li na infância, com uma pequena caixa de ferramentas e o equipamento de solda.




8.3.12

Pôquer literário




Aposto um Lúcio Cardoso.

O teu Lúcio mais 2 Rubem Fonseca.

Passo.





4.3.12

Tu sempre gostaste de bugigangas


Passava eu uma escovinha nas unhas
e me lembrei da tua bolsa vermelha.
Não usavas bolsas vermelhas
quando te conheci na porta dum café.
Ninguém poderá dizer o que
fizemos, o que não fizemos.
Nossa história de vida tem
mais de três frases.
Paramos na quinta.

Se não estão a cortar galhos,
por que afiaram as serras?


Paysandú Hotel



Se ninguém tivesse escrito antes,
acho que eu não escreveria também.
Não gosto mais de romances.
Alguém mata, alguém morre,
alguém não faz diferença alguma,
alguém chega tarde demais.

Pede-se aos senhores hóspedes que,
ao entrarem e se retirarem de seus quartos,
façam a fineza de fechar a porta.