31.1.13

Esôfagos em Estocolmo


pega um paquete do ralado
não estou disposta a esfregar queso
com pele de dedo a que servir
se bem não devemos
não devemos
comer pramesão
e aumentar o ldl do hdl
as notícias no jornal não são boas
tomam café melado
na chuva a pino
sob o guarda-sol
a bolívia não é um ponto de vista
eu concordo dali a 11 dias
quando escrevo a minha versão dos fatos
para o agrupamento
não nos dão ouvidos
somos "estrangeiros"
mesmo que de sangue caymmi
fugitivos da calçada
do encontro do rio negro
com o solimões
as paredes à nossa volta
se fecham mas não é
hora de voltarem os exilistas
os poetas da escola técnica
armados com bacon ovos e queso
lendo papéis de um brasil
aliançado com os católicos
têm um endereço intocável
antibiótico
quando a chuva passa
perdem o sinal do rádio
e atrapalham a história



30.1.13

Trotskistas do Kentucky




Administrar uma fazenda coletiva não era tarefa das mais fáceis, porém Joe Dorothy e Daniel Dimitri acreditavam nos princípios da revolução permanente. Dorothy, membro da oitava geração de uma família de pioneiros da Pensilvânia, repudiava a ordem constituída e, como qualquer criador de gado leiteiro, achava que a justiça também era algo a ser feito com as próprias mãos. Dimitri, homem mais cultivado, ex-funcionário da Western Union e especialista na extensão transcontinental do telégrafo, era mais afeito à evolução moral e gradual da civilidade. Sem nunca terem ouvido falar de uma revolução russa, os dois se conheceram em uma reserva indígena no México, para onde Dorothy se dirigira na esperança de contratar mão de obra barata para tocar sua fazenda que passava por sérias dificuldades. À noite, na cerimônia ritual em volta da fogueira, após um interminável chorus line de virgens das tribos de Yucatán, Dorothy notou a presença dos campesinos locais de sempre e de outros dois homens brancos que nunca vira por ali. Daniel Dimitri e um estranho sem nome que os selvagens chamavam de Leão da Terra Negra. O estrangeiro parecia ser uma lenda entre os indígenas. Entronado ao lado do chefe, era adorado e bajulado como uma espécie de totem. Daniel Dimitri, tomando chá de peiote ao lado de Dorothy, após as devidas apresentações fez as vezes de intérprete e Dorothy ouviu pela primeira vez as palavras do Leão da Terra Negra que iriam mudar sua vida para sempre. Nos olhos de cada índio vislumbrou um brilho nunca antes percebido. E entendeu. Eles não eram mais escravos do homem branco. A tribo enriquecera desde a última vez em que ele ali estivera com o mesmo propósito e saíra com seis índios indolentes que acabaram morrendo de alcoolismo e tifo em sua fazenda meses depois. Não. De ociosos caçadores-coletores, haviam se transformado em prósperos agricultores. Produziam trigo, cevada, centeio, batata inglesa e açúcar. Reparou que possuíam até implementos agrícolas importados dos vizinhos ricos do outro lado da fronteira. E já haviam começado a exportar uma pequena produção de tabaco que ele nunca conseguira cultivar. Dimitri confidenciou-lhe que o velho forasteiro era o responsável por aquele assombroso progresso, por isso a tribo o reverenciava. Dorothy sentiu uma pontada de inveja ao ver que os índios eram mais ricos do que ele, com suas vaquinhas murchas. Foi nessa hora que entendeu as sábias palavras do seu pai ditas há muito tempo: “Se a ocasião é calva, mas tem na testa um fio de cabelo que seja, convém agarrar-se a ele.” Tentou contratar o Leão como seu administrador, mas o velho e cansado homem sorriu para ele com amargura nos olhos frios. Era um não. Sem se deixar abater, contratou Dimitri antes mesmo do amanhecer. Ainda grogue, o desempregado aceitou o seu destino com resignação e os dois voltaram para o Kentucky no pôr do sol seguinte. Dimitri acabaria se transformando no irmão mais velho, honesto e generoso de que o caráter fraco e temperamental de Dorothy precisava para controlar vinte famílias de protestantes famintos e arredios. Mesmo assim, em poucos anos a fazenda coletiva prosperou, sendo conhecida agora nas redondezas como a D & D, e os dois amigos e sócios, já não tão jovens e vendo a idade avançar, arrumaram esposas por correspondência. Até que em uma fria manhã de agosto, Dorothy e Dimitri ficaram sabendo pelos jornais que o Leão da Terra Negra fora assassinado em Coyoacán com um certeiro golpe de picareta. “É tão fácil assim matar um homem?”, lamentou Dimitri. “Não foi o que estivemos fazendo desde o primeiro versículo do Gênesis? É o sangue que sempre semeia a terra”, disse Dorothy, lavando as mãos sujas de frango frito nas águas do Ohio antes de segurar no colo o bebê que acabara de nascer.



21.1.13

Conversa com Dulce Biás


Preparo um miojo de plantas
no rócio ósculo em que minha pele
se assenta desnuda, alcantilada.
Cada vez que me curvo
curvo os olhos
os superlativos
folhas entre pausas de vendavais.


O Poxoréo é uma terra meio provavelmente,
ninguém queria comprar.
Um corpo sem cabeça já é um povo sem líder suficiente
naquela história do mar tem muitos peixes
só que todos querem pescar os mesmos.
Tenham 200 anos e todavia lembro,
ainda úmida, do desembarque

de você com sua sacola de críquete
desafinando mosquitos
no arroio em que apóia-se,
aferra-se e foge:
foi o padre que me causou este mal-estar
organizando minhas horas por metades
propriedade, vertigem
dentro do magro
dedo em riste onde
amanhecem gerúndias
pelancas de palavras.


Sozinha, até fusível é paisagem.






20.1.13

1 poema de Simon Armitage


18.1.13

De repente un poco de luz



Um incandescente sol de fim de tarde castiga a janela da carruagem queimando meus lábios. O cocheiro açoita os cavalos e cada solavanco azeda mais um pouco o vinho barato que tomei na bodeguita antes de embarcar. Zonza, sem saber onde a terra se acaba e o mar começa, vejo quatro pessoas viajando naquele inferno comigo. Podem ser duas. A paisagem lá fora são linhas, junções, curvas e ângulos que minha mente não consegue agrupar num sistema lógico. Sinto outra vez a terra tremer sob meus pés. O dia não me caiu bem, concluo. A madre abadessa me disse palavras duras que quase me fizeram vir às lágrimas, se lágrimas eu houvesse para desperdiçar. Eu chegara quase ao amanhecer no Convento de Rozas, na ilha de Santa Cecília, onde fui recebida por uma noviça deleitosíssima que me conduziu por frios corredores à presença de uma mulher de rosto papiroide. Apresentou-se como a madre abadessa, a superiora encarregada do treinamento espiritual das dezenas de freiras e noviças que habitavam o convento-escola. Eu sabia que o convento da ilha de Santa Cecília gozava do privilégio de ser o refúgio mais procurado pelas almas femininas em desespero que ansiavam por uma vida monástica. Só que nem todas as desesperadas do mundo tinham passe livre ao interior de seus muros. A madre abadessa impunha rígidas condições de admissão e as provações para se conseguir uma vaga cativa no claustro exigiam um despreendimento ainda maior do mundo físico. Não era para qualquer uma. Eu ouvira falar de toda espécie de mortificação carnal e que a madre tinha um conceito misterioso e muito particular de votos perpétuos. No entanto, a curiosidade pelo grotesco não estava entre os motivos que me levaram ao convento nessa manhã. Agora não sei o que direi às meninas quando chegar em casa. Há alguns anos administro uma oficina de costureiras chilenas hiperativas e o caráter de minhas visitas a instituições religiosas é puramente comercial. Padres, monges e freiras precisavam de quem lhes confeccionasse regularmente peças de vestuário, além de artigos de catre, mesa e altar. Muitos mosteiros e conventos dos mais antigos da região tinham sua pequena produção própria, porém as missões mais recentes, vindas do estrangeiro, careciam de expertise. Nossa oficina na cidade de Arica era a única com um método exclusivo e secreto de transformar nos tecidos mais belos, delicados e resistentes o pelo áspero das lhamas andinas. E por que não dizer, nossos preços baixos convinham à Igreja. A oficina, por sua vez, precisava escoar o excesso de produção de suas laboriosas e frenéticas artesãs, que adoeciam gravemente se deixassem de trabalhar um dia que fosse. Era uma obra social, portanto uma acomodação perfeita para ambas as partes. Porém, a madre abadessa do Rozas parecia não alcançar o significado dessa missão evangelizadora do trabalho patrocinada pela Igreja de Roma. Em seu gabinete, ela me apontou uma cadeira e, após uma troca cordial de miserere-nobis, ofereceu-me um chá de ervas exóticas, especialidade da clausura. Não identifiquei o bouquet que exalava da porcelana de Sèvres e bebi como se fosse água quente. Suando de pé ao lado da virgem honorária, a noviça que me recebera montava guarda com um sugestivo sorriso nos lábios, olhando sonhadoramente para o ar. Era uma sarça ardente. Por derrière et devant. Ardia tanto com o amor a Deus que não suportava usar roupas, me veio na hora a frase do jesuíta sobre Madalena. Ó pirâmedes de Gizé, comecei a suar também e a madre sorvia a beberagem com os olhos cravados em mim, como se degustasse lentamente o meu sangue no cálice sagrado. O chá virou vinagre. De volta ao Gólgota, senti por um momento que a minha pequena cruz não era páreo para aquele cajado de Moisés. Apreensiva, pensei no próximo passo. O baú. O meu cartão de visitas. Quatro freiras da largura de uma porta entraram farfalhando hábitos e o depuseram no chão. Abri-o sem demora e mostrei-lhes com frivolidade tática os tecidos com que trabalhávamos. Falar de negócios é a melhor forma de evitar pensamentos constrangedores, aprendi com papá. Virando-me para a madre, disse-lhe que também os tecidos eram confeccionados por nós. “Estou ciente disso. Poupe-me dos anúncios de sua trombeta. Estou ciente da sua oficina, de sua excelência no mister e dos seus preços. Por que acha que mandei chamá-la?”, ela disse com um esgar, pousando devagar a xícara sobre a mesa. Engoli em seco e fiz cara de beata. E todos os abutres fartar-se-ão de tuas carnes, praguejei baixinho em Apocalipse. “Para fazer uma encomenda, senhora abadessa?”, respondi, assentando-me no trono da humildade. Ela ergueu-se, andou até a janela que dava vista para um pequeno cemitério e olhou para os céus, aguardando uma mensagem divina com silêncio eloquente. Ao lado da janela, pendurado na parede, divisei com espanto um quadro do cadáver do papa Inocêncio IX. Eu sabia que o papa encomendara a pintura ainda vivo para mantê-la sempre diante de si. Seria uma reprodução ou a original? E como transmigrara de Roma para aquele remoto antro de cortesãs de Cristo... ”Tempora mutantur nos et mutamur in illis”, ela interrompeu minhas divagações. Tive a sensação do chão tremendo sob meus pés. As têmporas mutam e nós mutamos com Elis. Eu não era nenhuma autoridade em latim. “O tempo muda e nós com ele”, ela traduziu, consultando o dicionário no céu. Deus me livre de mula que faz him e mulher que sabe latim, lembrei de papá outra vez. “É verdade que suas prestimosas tecelãs são descendentes dos chinchorro?” Eu fiquei estática por dez segundos. “Creio que algumas de fato o sejam, senhora abadessa.” Ela deu meia-volta e sentou-se, acariciando o crucifixo em seu peito. “São cristãs? Quero dizer, foram batizadas?” “Eu não saberia lhe informar. Não peço certidões de batismo quando me procuram para trabalhar.” A abadessa fuzilou-me com o olhar. “Sabia que os chinchorro eram canibais e mumificavam seus mortos, comendo as vísceras depois de retiradas?” Eu não sabia direito aonde a abadessa estava querendo chegar, mas farejava problemas. Ou pior, ameaças. Ela não me chamara ao convento só para fazer umas comprinhas afinal, havia um propósito oculto e sombrio que eu estava prestes a descobrir. Não sei como ficara sabendo que minhas meninas descendiam dos chinchorro. Isso poderia pôr abaixo toda a nossa relação com Roma. Seria o fim da oficina. A miséria para tantas famílias. Foi quando ela deu o golpe final. “Eu não vou tolerar que a sua oficina de chinchorras continue servindo à Igreja, minha cara. O cardeal Hurtado já está a par do problema e deve encontrar-se com o papa em breve para resolver este assunto de suma gravidade.” “Mas, senhora abadessa, não percebe as consequências do seu gesto? Isso significará a fome para centenas de famílias pobres. Peço sua misericórdia. As tecelãs não podem pagar pelos erros de seus ancestrais. Não é justo”, eu implorava, postulante de raiva. “Curioso o seu sentido de justiça. A sua oficina aparentemente inocente coloca em risco o futuro da civilização cristã. A herança está no sangue. Essas mulheres são canibais e sempre o serão. Quanto à miséria, diz o velho adágio que Fortius ille facit qui miser esse potest.” Carajo. “Eu lhe imploro, abadessa. O que devo fazer para evitar essa tragédia? Eu posso me responsabilizar por elas perante a senhora, o cardeal, o papa, Deus!” “Não seja tola, menina. Contenha-se. No entanto, pensando bem, sua blasfêmia não é de todo ruim. Se se dispuser a assinar um termo de responsabilidade, podemos entrar num acordo. A oficina fecha. Mas suas tecelãs terão que vir morar neste convento e ensinar seu prestigioso ofício às minhas noviças...” Ela continuou falando falando e uma nuvem cegou meus olhos. Não me lembro de ter assinado papel algum ou sequer de ter saído daquele ninho de víboras. Só despertei do choque na bodeguita, quando o primeiro gole de vinho bateu no meu estômago. Havia uma outra intenção, eu sei. Só podia ser. Sou capaz de senti-la agora. Palpável. Minhas meninas não iriam apenas ensinar-lhes os segredos da tecelagem. Não, não era isso. Subi na carruagem e adormeci. Não sei o que direi às meninas quando chegar em casa.

13 de agosto de 1868. Fue enormemente intenso el terremoto que asoló Arica y casi todas las ciudades chilenas próximas, incluyendo la capital, Santiago, y sus efectos llegaron hasta islas del océano Pacífico. En el océano el seísmo generó marejadas con grandes olas, que azotaran varias ciudades costeras. Arica y la isla Santa Cecilia fueron las zonas más afectadas por la tragedia. No hay noticias de supervivientes, pero una mujer encontrada borracha en una diligencia sobrevivió: “Fue tremendo. De repente vi un poco de luz y salí.”




17.1.13

A manhã seguirá para São Paulo



Subindo para o Vale, troco as marchas de ouvido. 
Vale das Videiras. 
Hoje não há mais videiras por lá. 
A neblina saindo de trás dos morros 
dissolve o para-brisa. 
Nunca houve. 
No quarto escuro respiro o vapor frio. 
A Igreja do Carmo. 
De fora para dentro. 
De dentro para fora 
talvez ficasse melhor. 
Não levo ninguém comigo. 
Só a duração da espera. 
Das minhas roupas que adoecem. 
Eu não me canso de olhar o carro subindo 
as curvas sinuosas do Vale onde não penso. 
As mãos suadas virando o volante 
num silêncio de lápis de cor. 
Ele não vai pedir anestesia, 
ainda que o coração publique se o fizesse bonito. 
Vai travar o ferrolho e esquecer da vida. 
Nem bem raiva, nem bem poesia. 
Antes eu não pedia, não há mais videiras por lá. 
Só nós dois na rede. Mas a morte também. 
Balançando nos fios soltos. 
Uma voz ao piano, feita para aquela emergência. 
O motor ronca entre árvores e morcegos. 
Os novilhos estão dormindo 
porque não escrevi uma linha. 
Ele deita sangue pela boca e pego mais um lenço limpo. 
Um clarão no retrovisor. 
Deito ao seu lado e acompanho sua respiração, 
trocando as marchas de ouvido. 



11.1.13

Autorretrato com rabanetes




sento na praça da liberdade com meu saco de pipoca. olho o relógio.
não me importo que a chuva molhe o banco, o saco, a jaqueta, 
se pipocas molhadas desmancham na minha boca. 
duas caem no chão. foi quando a vi. 
uma agenda de 2009 suja de terra. 
a página de dados pessoais vazia. 
na do calendário, um 17 de fevereiro circulado. 
a 10 de janeiro começa o que parece um diário.
ponho a agenda na bolsa. levanto. procuro um bar. 
e assim passo a noite. 
encaro um cachorro-quente com Dreher.
a chuva afina, o frio não passa. 
a mulher do diário espumava rancores. 
meu celular toca duas vezes. não atendo.
não aguento mais sustentar esse homem, escreve.
hoje faz dez anos. o meu marido. 
o artista da casa. o pintor. 
pra piorar também sou agente dele. 
que só pinta. chinelão, bermuda suja, coçando o saco.
eu divulgo, intercedo, dou dinheiro pra tintas, telas, zorbas boxer. 
não sei quando isso vai acabar. eu me mato de trabalhar. 
estou uma caveira de cigarro aceso. 
nossa vida é sem graça. o sonho de um eunuco.
diz que casou comigo porque sou retrato vivo dos elementos da mitologia.
sou uma buceta de Courbet. 
mesmo assim não temos filhos. 
fodo de Maja Nua, Maja Vestida, e não emprenho do meu galinho de Chagal.
larguei a faculdade para sustentar este traste.
eu achava que vadiagem era sinal de inteligência. 
hoje acho que ele tem uma amante. 
minha irmã o viu na rua com uma mulher. 
uma fiandeira enrolando novelos de putaria. 
ou deve de ser outra artista vagabunda. 
ele passa os dias em casa pintando cacarecos, 
não sei quando encontra tempo para me chifrar. 
diz que o avô italiano era pintor famoso, uma longa linhagem do ócio. 
chamava-se Simone. na terra da Cappella Paolina isto é nome de homem. 
não lembro de ter ouvido falar de uma veduta assinada Simone. 
espirro mostarda no pão. vou folheando.
dia 3 de maio uma observação: só é arte quando chamam de arte. 
ontem comprei figos no horto. 
não porque ele goste de figos. 
quer pintá-los. 
comprei não porque gosto dele. 
quero vê-lo de pau duro pintando os malditos figos. 
quero ver se é capaz de torná-los mais bonitos do que são.  
ligar advogado amanhã. entrar pedido de divórcio.
sombras e luzes é o meu fiofó. 
a cor é onde os hemisférios cerebrais ocos dele se encontram.
cansei de vagabundo botando no meu abaporu. 
2 de junho: os figos saem horrorosos. como eu supunha. 
ganhou até prêmio. prêmio, nunca dinheiro.
um pintor automotivo me daria uma vida menos macambúzia e mais Gropius.
nesta noite fiz sexo oral com a natureza-morta.
ele está preparando agora a série Rabanetes. 
lembram uma bomba peniana. a exposição será em Jundiaí. 
final do ano ele quer ir pintar a Toscana. pois sim. 
vou pontilhá-lo todo e morar em Paris.
virar musa de arte de rua.
pensando bem, não.
fracassado dá em jabuticabeira.
meu pé já tá por aqui.
fecho a agenda. 
oi, você por aqui. que chuva. posso sentar com você? 
Paulo e eu esvaziamos uma tequila.
leio o diário pra ele. 
9 de agosto: escuta, o dia amanhece.


7.1.13

Minhocas verdes do monte Pascoal


* Via infoarquivo Lock & Load: reuniões diárias laboratório. Detectado: Grupo subterrâneo denominado "Vassoura de Deus" articula ciberintervenção em massa -- Operação "Mens Agitat Molem". Meta: moralização-censura subliminar da rede e seus usuários. Meios: cybersquatting (search & destroy), hackerismo, criação de sites orientados e de biblevideos, disseminação ampla de contrainformações via redes sociais, mídias em geral, derrame de hiperdocumentos e links pró-neoevangelização, arregimentação global de voluntários anônimos para agitprop nômade: os "terroristas de Jesus", guerrilha virtual: franco-atiradores de spams/wide-range virus/junk mail/info-spy, gerar confusão / caos / onicrise de confiabilidade / desideologização / infiltração de fóruns e outros locais de encontros públicos online... 
decodificação em processo 


* livro é toda publicação com um mínimo de 49 páginas (UNESCO)

* poeta ter mais de 1 leitor já é um exagero (Lêdo Ivo)

* não me importo de A. ter um desejo obsessivo-compulsivo de beijar as maçanetas de minha casa. mas ela poderia pelo menos não usar batom?

* RELEMINSKI: Me enterrem com os leninistas/Na vala comum dos materialistas/ Onde jazem aqueles/ Que a utopia corrompeu

* vamos foder sim, Eulália, logo mais (Hilda Hilst)

* filhinha, por que a cadeira de balanço da mamãe não balança mais?

* minha CPU tem ruído de ovos fervendo na panela

* consolo: se até o roteiro de Rambo I levou 10 anos para ser escrito...

* de manhã, aquele sorriso maior que o Abaeté/ à noite, um grip demolidor/ meu coração sai pelas costas

* o que é mais antigo, o dia ou a noite?

* bifurca # unifurca

* tudo que se torna realidade não é mais amor (mandamento do amor cortês, séc. XII)

* ela sofria tão bem por amor... papai chamava isso de deborahkerrness

* Ownever (título)


* hei de fundar com a minha bananeira a sociedade dos amigos da cultura umbuzeira

* LIVRO NÃO SE EMPRESTA. A CASA É SUA. VENHA LER AQUI. (lembrete afixado numa estante da residência de Mário de Andrade)

* primeiro verso de um poema travado: "Ó Minhocas verdes do monte Pascoal..."

* geladeira cheia/libido vazia, libido abarrotada/geladeira vazia. C. tinha problemas para equilibrar a economia doméstica com a economia psíquica. eu engordava e emagrecia, emagrecia e engordava

* avinhe-se, abife-se e abafe-se (receita lusitana para resfriados)

* é pagando que se recebe

* só os sovinas condenam radicalmente o sexo por dinheiro

* fui até a esquina e não vi você lá, como disseste para eu fazer

* bem-aventurados os que têm sono, porque breve adormecerão

* barulho de coisas caindo dentro do sonho

* Coisas que aprendi com o cinema alemão: não rir das comédias, dormir nos de terror.


* o que sonha uma bola de tênis? / as minhas, que não vão para Wimbledon,/ nem se sujarão no saibro / ou serão descartadas após um game / ficarão comigo dentro da minha caixa de Ballantines / bêbadas e felizes


* Os dois entraram no meu carro. Aí está por que demorei. Ficaram calados. Outra palavra os faria brigar de novo. Nos primeiros minutos, eu não soube o que pensar. No dentista talvez. A alma carregada de embrulhos, reservei-me. A paisagem lá fora daria umas 11 linhas. Não mais.

* detesto caneta que não escreve deitada

* frase durante o sonho:  "eu não queria escrever hotel com agá"


* oficinas literárias servem para que os que escrevem mal aprendam mais depressa

* brincar de "forgotten women poets", como tia Beth Bishop ensinou

* vou fazer um poema-denúncia. não, só a denúncia. o poema fica pra depois

* Coisas que aprendi com o cinema japonês: que dá tempo de fazer um takoyaki entre uma cena e outra.


* método de trabalho: escreve e esquece


* A primeira vez que li Kerouac eu tinha 18 anos. A segunda vez, dez anos depois, eu continuava com 18 anos.


* -- Não gosto de blablablá.

  -- Blá?
  -- Eu disse que não gosto de blablablá.
  -- Ah, blá...
  -- Não entendeu?
  -- Blá!

* Pronomes pessoais do caso reto, uso contemporâneo:  Eu, tu, ele(a), a gente, eles(as).


* Os rouxinóis emudecem, quando os jumentos ornejam. (Marquês de Maricá)

* Coisas que aprendi com o cinema: no meio do caminho tem um monolito, mas você só ouvirá valsas que lhe farão leitura labial na gravidade zero

* Bogarting the joint

* zapeando ansiolíticos

* o que há antes do rosto? / que já não se sentia desde o início

* basta-me estares aí, fazendo de conta que estou aí


* título: Não precisamos de você. Temos Vanya.

* eu fumo/ tu não fumas/ ele diz que não fuma/ nós fumamos escondido/ vós ninguém sabe conjugar/ eles enchem o saco

* tenho tentado viver numa torre de marfim, mas sempre uma maré de merda lhe bate nas paredes para fazê-la desabar (Flaubert)

* eu só não escovo os dentes andando porque babo

* quanto de mole forma o duro?

* mortos os mortos pareciam,/ e os livros, livros; /melhor não viu quem/ verdadeiros os viu, que eu que/ só os vi figurativos

* o poeta novo chama de não-coisa o que o poeta velho chama de intangível

* "claustro expressivo", gosto desta expressão. pode-se aplicar a tudo.


* Coisas que aprendi com o cinema: Objetivo, Durma!


* A primeira vez que li Virginia Woolf foi com as palavras de Cecília Meireles, Orlando. Qual das duas eu li?

* não me convidem mais para tertúlias. não passam de choldras. nem os alcoóis compensam

* últimas palavras de lady Mary Wortley Montagu em vida: "Well, it's all been quite amusing."

* olhando a poeira assentar/ à disposição do vazio

* Digamos que um cometa gigantesco rasgue o céu e se choque com a terra, reduzindo o planeta a uma nuvem de pó. Digamos que toda a água do mundo evapore e que a lua não saia nunca mais do eclipse. Digamos que eu te convide para almoçar. Digamos.

Vén y sabrás al grande fin que aspiro/antes que el tiempo muera em nuestros brazos (González Lanuza)

* Coisas que aprendi com o cinema: Orson Welles nunca que ia caber num Rosebud


* A primeira vez que li Anne Rice eu já tinha sido totalmente dessangrada por Drácula, não sobrou uma gotinha pro Lestat. 

* No mundo científico, basta você emprestar um liofilizador, uma pipeta que seja, e seu nome aparecerá nos créditos de autoria do artigo. Imagino isso no mundo de romancistas e poetas...


* Coisas que aprendi com o cinema: morar no mato sempre tem um sujeito descendo o machado na lenha em cima do toco.


* "sessenta samurais roubados" em vez de "celulares", "rezas suecas" em vez de "raízes secas", "relinchando no sofá" em vez de "reclinando". preciso ler as coisas com mais atenção


* as montanhas e as árvores não se mexem. por que eu teria? (ditado indígena)


* Nós sempre dizemos a verdade. Nossas versões é que são incompatíveis. (Julian Barnes)


* Você não tem outra víscera para cantar? Só sobre amor? (João Cabral a Vinicius)


* o retrovisionário (título)


* Perhapsburgo (cidade)


* olhando a rua de viver à parte / sombra inacabada


* Coisas que aprendi com o cinema de Hitchcock: quem sofre de Psicose tem um ralo enorme.


* Deus virou-se para o mar e me disse assim: Deves saber que o mar é algo que combinamos além da minha imagem de frente para o mar.


* Sempre ouvi dizer que certas coisas não se deve falar. Outras não se deve escrever. Mas hoje molhei a pena no tinteiro e escrevi tudo que me vinha à cabeça. Eu precisava dizer que ele passa as tardes arrotando xinxim de galinha e coçando o saco enquanto sou a escrava. Precisava dizer que o amor não é bem isso que imagino. Que quando imagino digo as muitas coisas que se deve escrever. E as tantas outras que se deve falar. E ele. Ele fica aqui olhando pra mim da legenda que rabisquei sob sua imagem.


* A arte é a magia que liberta a menina de ser verdadeira.




5.1.13

Un coup de dieu



Vamos pôr um gim à guerra! Eu já começava a ficar comigo pra você. O taxista pulou os olhos no retrovisor. Não sei quem é. Cochichei uma coisa bem pior no seu ouvido. Engasguei: os que já viveram demais têm muita saliva na boca. Ainda faltava chão para avistarmos o pacote do nosso prédio. Não fosse aquele, seria outro. Antes de me matar quero comer um tomate! Um tomate do pensamento de um tomate. Ai, las! tan cuidava saber d'amor e tan petit en sai! Amanhã começo um romance social. Ele já está pondo a cabeça no meu caminho. Antenin Artaus e a sua lenga-lenga de poeta maldito esfaqueados pelas costas em Marseille. A voz de cristal se rompe e o cloral escorre. Eu não quis acreditar que a garrafa ainda estivesse cheia. Essa água toda é chuva? O carro era um barco na avenida alagada, um núcleo, um piparote no núcleo de um círculo de água. O Reno quando sobe nas noites de domingo. Yvette e Marie esguicham, Que merda, nós não trouxemos capas. Nem literatura. Nem nariz postiço. Olhe só isso! Os pneus batendo na minha cintura. Dentro da cor, eram rodas de bonde cortando meus braços. Vinhetas de Manet. Acordei qualquer coisa e me virei pro lado aborrecido da cama. Você ficou lendo Como amanhar chocos. Acho que já dizia o suficiente.





3.1.13

Pratos na mesa




O marido trabalha três dias na semana. 
Nos outros dois, acumula bares. 
Fim de semana, encrava-se em casa. 

Aboletado na cadeira ao lado do fogão, puxa conversa. 
Se a conversa não vem, fala sozinho. 
Fazendo planos no óleo quente. 

Imagina o ônibus, a mulher dentro do ônibus, 
o vento na Torres de que o pai lhe falava nas cartas, 
uma parada para um galeto com o vinho da casa. 

Levanta e bambeia até o banheiro no final 
do corredor para esticar as pernas. 
Sua cidade, agora mais perto, estava pronta. 
A mulher apaga o fogo e ele põe os pratos na mesa.








2.1.13

Ela era ela





Ela era ela. Não uma mistura.

Falava pouco.

E se separavam.