31.8.16

coração: um caminhão parado na porta de casa










Coração: 

um caminhão parado na porta de casa










22.8.16

o letreiro amarelo





O letreiro amarelo era uma padaria. Não. É uma fachada amarela. Uma boa padaria. Café com leite bem quente. Xícaras brancas e grossas. Fazia frio. Não. Eu sentia frio. E morava ao lado, no prédio branco mais alto. Décimo andar. Aquele ali com a divisória amarela. Sim, é uma divisória. Estávamos em obras. Acho que fecharam a rua. Havia uma rua ali entre o meu prédio e a padaria. Não estou vendo mais. As árvores são as mesmas. O ponto de ônibus. Mais adiante uma farmácia. Sonecas no sofá de couro frio. Ainda tenho o sofá. Não consigo mais dormir nele. Ele era aconchegante naquela cidade. Como um jornalzinho quinzenal sem importância para o mundo. Uma cidade universitária por excelência. Pombos veterocatólicos nas sacadas. Muitas livrarias. Só não tinha mais livrarias do que clínicas. Cristos. Pé-sujos. Do décimo andar eu via o bairro inteiro. A noite inteira. Agora o prédio está pequeno. A noite está pequena. Tirei fotos das noites grandes. Das pontes entre uma luz e outra. Do nosso colchão no chão. Você usando o meu casaco. Mortas de fome pedindo delivery. A garagem era a parte mais bela do prédio. Bastava embicar o carro na parede aberta que o escuro do céu parecia uma praia. Eu fechava os olhos. Acendia a luminária verde da mesa, a mesma que está comigo agora. E escrevia isso. Tristeza é quando a poesia acaba no penúltimo verso. Mil vezes. Você é que lê coisas diferentes.  A cidade na foto também está diferente. A rua era mais larga. Não virá mais. Eu comprei um lençol de listras azuis e brancas. Nunca mais. Eu recebia cartas: Outro dia pensei em você. Telegramas: Chego amanhã. Não. Está igual. Porque eu vejo igual. Mil vezes. Canetas em promoção. Palavras que não achei.  As paredes nuas. Uma cerveja para ver os automóveis passando calados. De madrugada, os trens. Não é possível comparar uma cidade com outra. A terra em que piso sempre será asfalto. A pequena TV que você me deu lá está escura. Não posso ver mais nada. E fecho os olhos.








Estela e sua camiseta




12.8.16

A Roda da Morte





A sua mãe me comeu.
Com uma voz que não consegui entender,
ela fez com que eu a engolisse toda.
Não foi para isso que fui na sua casa.
Você não estava.
Eu sento e espero na sala 40 volts.
O sofá de pano cheira a cachorro velho.
Tomo um café gentilmente cedido por mãos brutas e cansadas.
Pelo batom vermelho que desbota.
Com a televisão ligada num programa de circo,
ela ri dos palhaços e me olha para eu rir também.
Que é preciso matar o silêncio.
Eu me pergunto onde estará seu pai.
Onde está você.
Ela me garantiu pelo telefone que você
estava no banho e me esperava ansiosamente.
Meu ônibus não demorou.
No banco vazio começou a chover.
Fechei a janela.  
Deixei um espaço para respirar.
Uma boca mais quente que a sua envolve meu peito.
Caio em cima do controle remoto e a roda de facas estanca.
Meu cabelo cheira a cachorro velho,
espalha-se naquele colo.
O colo vibrato de mãe.
O telefone toca e ninguém está em casa para ele.
O melhor spaghetti que comi na vida foi o de sua mãe,
pensei nisso quando uma pressão no estômago me fez
gozar como estou gozando neste exato momento em que  
escrevo estas palavras nos degraus marmóreos do térreo.

As plantas que ela me dá não eram cuidadas por você.