Eu
acabei fazendo e agora estou sem sono.
As pernas, trêmulas.
Metade da madrugada já se foi.
Começou com os cães latindo depois que apaguei a luz.
Um cão não estranha o escuro.
Levantei, tirei a faca da bainha,
empunhei firme e abri a porta.
Um
cheiro de violetas úmidas.
A rua iluminada a duzentos metros do meu corpo.
Vazia.
Apunhalei
o ar.
É irritante
escrever em linhas separadas.
Não
enxergo bem.
À
medida que escrevo,
as
pernas vão diminuindo o seu tremor.
Coloco
a faca na bainha de couro cru
e vejo
que, na adrenalina, peguei a faca errada.
Há uma
faca certa para as ocasiões em que os cães latem no escuro.
Ergo a
garrafa do chão, tiro a tampa e bebo água.
A água
que bebo é corporativa.
Venderam todas as fontes.
Era uma
água confiável, agora não mais.
Água que não refresca.
Molha a
garganta.
Desce amarrada.
Eu
acabei fazendo com o ar e agora estou sem sono.
Levei
uma vida inteira para aprender
que as
melhores coisas que posso fazer,
e que
me darão maior prazer, são com o ar.
Sem
ninguém ao lado.
Cruzados
sobre o peito,
apenas
eu, o ar e o desejo.
E eu o
fodo completamente.
Bastam
nove estocadas no vazio.
Sua
voz.
Seus
olhos.
Suas mãos.
Seus lábios.
Nosso
silêncio.
Apunhalando
o nada.