26.9.16

Gambiarra






artérias cortadas 

faço uma gambiarra 

para engolir toda água do mar







Caderno de alumna

24.9.16

1 poema de Günter Eich


Nota de rodapé sobre Roma


Eu não lanço moedas às fontes:
não penso em voltar.

Tanto Ocidente
parece suspeito.

Deixaram de fora mundo demais
e não há lugar
para os jardins japoneses.


-- Günter Eich (trad. Maira Parula)





O sétimo dia




Cagai
Mijai
Soltai todas as vossas excrescências
Amanhã já não estareis rindo do mesmo que hoje
Que parte de vós não há morta?
Pintai as paredes
Pintai o açucareiro
o doce mel
Pintai os bigodes dos gambás
A primeira estrela que vier
Os farelos de vossa bondade sobre a mesa do café
Os acusativos plurais
Pintai o lugar nenhum e lá me encontrareis
No tempo onde nada acontece
E depois de ejetadas todas as vossas entranhas
Ainda tendes fome
Procurai nos dejetos as almas paradas que ficaram para trás
Os irmãos que não nasceram antes de vós e foram expurgados
Olhai bem para a vossa merda na calmaria destas águas
E vereis o vosso rosto ali
Agarrado aos próprios pedaços
Uma craca a mais no ventre da jubarte
Quereis um lugar no meio deste pântano
Ora, vede, o lodaçal está cheio
e o Pacífico, sereno
Por um momento vos confundis comigo
E eu, que nunca tinha ouvido os Beatles, cantarei Besame Mucho









         

19.9.16

Carta ao poeta




Você me pede pra contar de mim.
Eu estou positivamente quase desesperado.
“Como limpar a crosta do vaso sanitário”
tem mais de 1,5 milhão de visualizações no YT.
O Brasil é um país amaldiçoado.
Mas leio com prazer esta sua carta e os poemas de você.
Tristezas engolidas e deixadas para dias seguintes.
O fortepiano faz com que eu sinta mais o martelo nas mãos.
Talvez seja isso.



Agradeço este abraço e mando outro




16.9.16

A água salgada de Copacabana enlouquece uma pessoa




[O Journal de psychiatrie 1, 1989, pegou uns versos isolados 
de um caderno que esqueci no Hôtel le Bastart, 
juntou tudo num só corpo e publicou assim. 
Como de autoria anônima o frankensteinesque.
Errata: é Quarta Parada, o nome da funerária.
Não acreditei quando vieram me mostrar.] 







a água salgada de copacabana 
enlouquece uma pessoa
você diz não ver mais
o meu coração no que escrevo
tenha pena de mim
isso é pra lá de sofrer

o brasil é um país amaldiçoado


mortos os amigos
tiveram sorte de não ver
esse poema escondido na bananeira
fiz só pra você
pus um ovo na moita
onde está seu coração?
onde está?
ai ai meu deus
por que é que a baiana tem?

dormindo na calçada da Lobrás
feito uma amêndoa ou
na frente da funéraire coopérative  
se quiser morrer é por aqui svp
deixe-se onde está
o sistema solar se expande de 13 em 13 min
pendura a despesa
essa vontade de morrer


toda aquela água que bebi 
a água salgada de copacabana
enlouquece uma pessoa
ai ai tenha pena de mim
que de sofrer não se perde o jeito
o lampião de querosene 
esse fuso horário de Buffalo
interrompe
QUE ELA VIVE
INTERROMPe 
QUE ELA VIVE









15.9.16

Um cão não estranha o escuro





Eu acabei fazendo e agora estou sem sono. 
As pernas, trêmulas. 
Metade da madrugada já se foi. 
Começou com os cães latindo depois que apaguei a luz. 
Um cão não estranha o escuro. 
Levantei, tirei a faca da bainha, 
empunhei firme e abri a porta.
Um cheiro de violetas úmidas. 
A rua iluminada a duzentos metros do meu corpo. 
Vazia.
Apunhalei o ar. 
É irritante escrever em linhas separadas.
Não enxergo bem.
À medida que escrevo,
as pernas vão diminuindo o seu tremor.
Coloco a faca na bainha de couro cru
e vejo que, na adrenalina, peguei a faca errada.
Há uma faca certa para as ocasiões em que os cães latem no escuro.
Ergo a garrafa do chão, tiro a tampa e bebo água.
A água que bebo é corporativa.
Venderam todas as fontes.
Era uma água confiável, agora não mais.
Água que não refresca.
Molha a garganta.
Desce amarrada.
Eu acabei fazendo com o ar e agora estou sem sono.
Levei uma vida inteira para aprender
que as melhores coisas que posso fazer,
e que me darão maior prazer, são com o ar.
Sem ninguém ao lado.
Cruzados sobre o peito,
apenas eu, o ar e o desejo.
E eu o fodo completamente.
Bastam nove estocadas no vazio.
Sua voz.
Seus olhos.
Suas mãos.
Seus lábios.
Nosso silêncio.
Apunhalando o nada.







11.9.16

Outras noites iguais




Os cachorros pegam no expediente às 6. Vão vigiar o território e as pitangas. O abacateiro está ficando carregado. Teremos brigas caninas nesta primavera por abacates. “Venha, vamos ver a propriedade”, é como os locadores falam aos candidatos que vão ver o seu sítio mirrado e improdutivo com um único pé largado de limão. “É limão galego”, dizem com orgulho, como se fôssemos cachaceiras. Então, lá pelas 6 eu venho para esta tela ainda de barriga vazia. Minha edição do Livro Tibetano dos Mortos tem as mesmas cores de um pacote de Negresco, que achei na minha mesa agora. A minha boca sem os beijos teus. Quase todos os sábados vamos a Pedro do Rio comprar frango de vitrine, porque os tempos não estão para salmão. A Vila de Pedro do Rio é um distrito ao lado, esclarecendo que ao lado aqui nesta terra significa milhas e milhas de distância. Pedro não remete a nada do imperador, muito menos a um ser idílico em meio às águas, como imaginam os poetas que aqui vêm, era só um sujeito comum que negociava com os tropeiros e viajantes às margens do rio Piabanha. É um vilarejo tranquilo, um pequeno burgo encurralado sem neoburgueses de 4x4. Ainda se respira República Velha por lá. Poderia ser Macuco e eu nem notaria. Estacionamos. Atravesso a rua como se atravessasse a lua, há dias não saio de casa. Eu errei. Por sugestão minha, compramos um queijo light no Rei do Frango. Mudanças são dolorosas. O queijo revelou-se de vidro moído e foi pro lixo à meia-noite e vinte e três, hora do lanche noturno. Na papelaria que é uma loteria compro duas centenas de folhas amarelas, um caderno pop chinês chamado Notebook e um caderninho de couro para anotar telefones. Voltei no tempo. Uma nova ilusão, não sei. Na padaria tomo um mate gelado e como uma empadinha massuda. Falamos de política. Nem bem falamos, resmungamos. Se tu voltasses a gostar de mim. Meus olhos passeiam pelas prateleiras de víveres. Jornais efêmeros. Alto-falantes eleitorais espantam o silêncio da tarde. Não quero ter além daquele que sonhei. A base da empadinha é dura feito papelão e deixo na mesa antes de sairmos. Contornando a Pedra Maria Comprida, há uma casa depois da estrebaria. Eu poderia ser uma senhora de penhoar fumando na sala e ouvindo A luz difusa do abajur lilás. 






7.9.16

Cannibal





Ab ove all: dont plant

me in vour heart.

I would cgrow 2 fast,

& Kill Thee,

And luv The(e) After.


Kan vou hear Thee Breakin'?

It is the rHoliest Part(y).







1.9.16

Sísifa




Monica Vitti, à beira da fonte de Pirene, estuda a locação para o seu próximo papel de Sísifa no cinema, direção de Antonioni, que a fotografa. O filme ficou no projeto. La Vitti não gostou da proporção gigantesca de sua coadjuvante, a pedra que teria de empurrar Vesúvio acima para fechar a cratera e salvar o povo ribeirinho das Plêiades, cumprindo assim a sua punição e virando mito. A atriz do Teatro Nuovo, que entendia de lendas e rochas, sabia que seu personagem jamais cumpriria a missão tampa-de-cratera e pediu uma pedra cenográfica ao diretor e marido, que consultou Camus, corroteirista. Após intensa deliberação arquetípica, a resposta foi negativa, com a justificativa de que a atriz precisava passar realismo sacrificial ao público, pois sua Sísifa viveria em três horas de filmagem-escalada inútil o que o homem comum levava a vida inteira para cobrir. Uma barganha. Vitti, com uma centelha de cólera diante da inflexível crueldade sub-reptícia do marido, trocou de mito e personificou o Anti-Prometeu entre quatro paredes. Imbecilizou o marido e mandou Camus à merda. O casamento quase deu água, Camus voltou a Paris já acompanhado de sua Tânatos pessoal sem algemas e as páginas de Sísifa transformaram-se em A Aventura, película incomunicável intensamente vaiada em Cannes, mas com uma hýbris bem mais confortável a todos os capricci intelectuais.










haicai de outono






peidinho da tarde

no leve vento de folhas

-- caganeiras de outono