30.9.17
Volto não
não precisa mãe eu pego um táxi
levei sim
se escrever não fale do país -- pra quê
vou ficar bem
volto não
28.9.17
24.9.17
Entrenervo
não saio de casa para não pegar vírus, vermes, um caminhão desabalado, conversas pela metade, células parasitas, pedras e moedas no chão, febres, vertigens, tremores, você conversando com o guarda, o sapateiro, o açougueiro, rindo com a verdureira, postando uma carta, tomando coca-cola com iPhone, não saio de casa para não pegar todo chocolate, todo livro, todo sol das prateleiras, o próximo ônibus para a Praia dos Anjos, o cinema das dez, o som da música dos apartamentos, dos pombos, das registradoras dos supermercados, do giro completo das roupas nas lavanderias, dos pães crepitando nos fornos, do garoto vendendo aipim, da máscara e do rosto, do véu de Maya, do olho por olho, de bocas pítias assobiando, espirrando, cuspindo, carpindo, de lenços raspando lágrimas, suores, almas, das bancas abrindo, dos jornais que queimam já pela manhã, dos trens enterrados vivos, dos pneus fraturando latas, presunções, a garrafa de Klein, o cigarro que joguei, o som dos estalos da história, da barca saindo para Niterói, de um avião para Guangzhou, não saio de casa para não pegar amor por um braço de mulher, por um animal perdido, um verso de banheiro, um violão de brinquedo, um pugilista em repouso, por um sopro, uma janela aberta, por um desuso, um duplo imortal, pelo cheiro de gasolina, gim, por perfumes de limão, corpos, cabelos despenteados, carnes, amendoim, sobrevivências, para não pegar desejos, escapes, trilhos, tristezas que passam pelo ar, não saio de casa para dar um ponto final.
22.9.17
Bichos
De 7 às 7
sem luvas sensoriais
põe a roupa-corpo-roupa na máquina
varre todo o espaço pictórico
lava privadas e objetos relacionais
esfrega superfícies moduladas
sobe e desce vazios escadas casulos
secando a baba antropofágica da patroa
ouve Have U Ever Seen the Rain
dentro e fora numa fita de Moebius
20.9.17
19.9.17
Cantiga de Amiga
"A gente nunca está só de verdade. Nossos sentidos conversam uns com os outros, a razão discute com a imaginação, tudo numa sublime camaradagem", dizia Ju para A. quando passei pelo sofá da sala. Ora, eu conhecia essa frase, o autor dessa frase. Levei uns 15 segundos para baixá-lo da memória. Era uma frase idiota que poderia ter sido dita por qualquer idiota, mas tinha dono. Mário de Andrade. Fui lentamente até a janela para tomar um pouco de ar. Parado. Nenhuma folha das palmeiras centenárias da Paissandu se mexia. Eu suava por baixo da camiseta preta. Dei um gole na coca, virei as costas para a rua e encarei as duas com meu olhar lombrosiano. Nada. Eu era uma cebola. Elas conversavam animadamente, pelo visto sobre a recente viagem de A. ao norte do país. Entrei na Billie Holiday do porta-retrato sobre a mesinha para ouvi-las mais de perto. A. garantia que havia provado ensopado de jacu com uísque. As duas riram. E riram. E riram. Ainda estavam rindo quando Ju disse que ia estudar literatura galega medieval no ano que vem. A. não acreditou. E riram outra vez. Ju explicou que há muito tempo era apaixonada pela literatura galega. Que nutria por seus autores "um não sei quê, que nascia não sei onde, vem não sei como e dói não sei por quê". A. suspirou. Eu engasguei. Outra citação? As duas suspiraram. E suspiraram. Depois começaram a cochichar e eu perdi o final da história.
(2005)
16.9.17
12.9.17
À porta do elevador
Qual o outro nome para besta?
Balestra
Bonito, ba-les-tra
Toma, leva o guarda-chuva
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