(Cena do filme Die Reise nach Kafiristan -- The Journey to Kafiristan, 2001. Baseado na história real da escritora Annemarie Schwarzenbach e da etnóloga Ella Maillart e sua viagem ao Vale do Kafiristão em 1939, após a ascensão do nazismo e pouco antes da eclosão da Segunda Guerra. Tradução Maira Parula.)
29.5.19
The Journey to Kafiristan
(Cena do filme Die Reise nach Kafiristan -- The Journey to Kafiristan, 2001. Baseado na história real da escritora Annemarie Schwarzenbach e da etnóloga Ella Maillart e sua viagem ao Vale do Kafiristão em 1939, após a ascensão do nazismo e pouco antes da eclosão da Segunda Guerra. Tradução Maira Parula.)
27.5.19
Onde estivesse
Por algum motivo eu
inchava.
Por algum motivo eu
sabia que inchava o que estava inchando e não caberia mais ali dentro.
Serio cuspido ou
asfixiado pela corda presa que minhas mãos moles mal alcançavam.
Eu crescia sem parar,
não me reconhecia mais.
Eu sou isso. E o
depois. É o que eu sou.
Era hediondo.
Tinha espasmos, abalos
de fuga, girava, batia nas paredes para descolar-me.
O que fui não voltava
a ser como antes.
Por algum motivo
comecei a ouvir. Ruídos. Dentro de mim e lá de fora.
A perceber na escuridão
sua claridade embaçada. Movediças.
Por algum motivo eu
sabia que muito além eu saberia o que estava fazendo aquilo comigo.
E com isso senti
circular-me por dentro um frio ruim que me obrigaria a defender-me
quando eu parasse de
crescer, e onde estivesse.
Onde estivesse.
22.5.19
Che non fa ne defecare ne stimola la diuresi
21.5.19
Chaouen
Eu vou saber por terceiros
18.5.19
Até não sobrar ninguém
14.5.19
Todos os caminhos estão abertos
5.5.19
Tudo isto é fado
Sabia o ponto certo a atingir quando batia a cabeça na parede. A amiga experiente havia ensinado: oito anos de internações, formada em hospício. Currículo -- esquizofrênica bleuleriana, faxineira de pátios, auxiliar de enfermagem, enfermeira do Ambulatório Sargento Getúlio, assistente da psiquiatria -- seu último posto até a colônia vir abaixo pelo fogo. A amiga conseguiu fugir antes que as labaredas consumissem pavilhões, celas e maquinário hospitalar. Hoje mora no Algarve. Atravessou o Atlântico e a água salgada curou-a. Algumas rezas e dois ebós na encruzilhada antes da viagem. Parece feliz. Bem casada. Gordos vencimentos em terapia cognitivo-comportamental lusa. Fadista nos fins de semana. Aconselha L, esta que vos fala, sempre que preciso e flerto com parapeitos de quinze andares sem nunca ter coragem de abraçar o céu. A amiga diz que esta história de trampolim é drástica demais. Sujeira demais. Os empregados do prédio vão te catar e lavar e ainda xingando tuas gerações. Não mereces. Foi quando ela me deu a palestra da cabeça na parede. Pediu-me exames de imagem do cérebro. Precisava achar o ponto X a ser batido. Duas doses diárias. Pouca força. Mais precisão. Ela calculava dois anos para o resultado ótimo. Uns levam mais tempo, outros menos. Acostumei-me. Ao lado do tratamento, a terapia. Ela só escutava. Por que é que a gente vive pelos cantos? Chega da rua e já se esconde como se pedaços do corpo se esvaíssem aos bueiros. Não quero nenhuma lembrança de mim solta por aí. Na cabeça de ninguém. Nos cadernos. Álbuns de fotografia. Na escrita do espelho embaçado do banheiro. Onde quer que tenha dito ou escrito uma palavra. Por isso apago, rasgo, digo opostos. Para que não fique uma marca, um sinal de ferrete. Entro no ônibus e logo sento -- menos tempo de pé, menos sou vista. Catatonia. Só me movimento no escuro. Gambá. De pé, ergo os olhos e procuro o céu. Uma ave noturna canta pra mim. Na cama, me distraio arrancando pedacinhos da borracha do lápis. Coço o ouvido com a ponta e talvez deixe algo escrito lá que irá embora comigo. Durmo de mãos dadas com o cachorro. Falo esse pouco e parece que é muito. Minha amiga suspira trêmula na linha. Do outro lado do Atlântico se despede e ouço suas inervações antes que desligue: "Os telefones parecem que estão vivos."