31.12.12

De um certo ângulo


2013 de um certo ângulo é 1913
e assim sucessivamente 
na última madrugada do ano sonho
que M me apresenta seu bebê freak 
misto de paixão, polvo e cão 
um monstro de acasos cromossômicos
fico sem palavras  
por não tê-las, me acordam 
é D no telefone 
e aí, preparada para muitas marivaudage ano que vem? 
D tem refinamento 
outros amigos dizem ser obsoléta
eu a vejo como um baluarte
da tapeçaria rococó
além disso, é tão bonitinha.
N, mulher de autor premiado, 
não gosta de cinema oriental 
lhe dá spleen 
refestelada na poltrona de chicória
ela quer ação tsunâmica
diálogos bíblicos
voleios em gravidade zero
menos insípidos que as histórias do marido.
C amarrou uma corda de poesia
no pescoço e chutou a cadeira.
V definhou no leito hospitalar
pedindo atenção dos amigos
que tentavam uma RCP
contando piadas.
T se matou por amor
mergulhou na noite
do último andar de um hotel caro
seu corpo velho levando de arrasto
o telhado de um colégio vazio
a família fez garage sale.
B foi guerrilheira e hoje é budista
vai à missa, crê e masturba
o triunfo do comunismo
no psicotrópico do catimbó.
O, eminência parda do sarcasmo intelectual,
procura amantes nas redes sociais
com carinha de coquette.
S fez teatro de vanguarda 
encenou este ano a sua morte
com um vestido de voile psicotecido por Chico Xavier
que a família doou para a Casa dos Artistas
num pacote com livros amarelos de Pirandello.
P se acabou antes de aprender
a escrever poesias de amor.
Tudo isto em 2013
de um certo ângulo 1913.
Não sei se os fogos que vejo no céu
são estrelas ou os olhos dos meus amigos.
Durmo cedo para não ficar triste.
J deve estar ouvindo I'm Still Standing.
Eu já gostei mais de pernil.