24.1.19

Assim-e-assim





Adriana, que não posso chamar de Drica porque Drica é delegada e não compõe nada, tocando só o que não lhe pertence. Foi quando pensei que queria ganhar uma poesia de aniversário mas isso nunca acontece, sempre tive que fazer os meus próprios poemas quando queria um dedicado a mim. Então eu disse a Cesar, Faça um texto só com opcionais do particípio. Ele gostou da ideia, seus olhinhos brilharam me vendo ir embora e deixar a ideia ali só pra ele tomar conta assim bem direitinho, dando leitinho, pão com manteiga e afagos numa travessa de suspirinhos. Agora acendo o cigarro de um jeito parecido com Sandra, que conheci na escola e morreu tem três anos dirigindo uma peça. Fomos amigas e amigos. Eu, mais pra Grotowski do que Brecht, via Sei-bem-quem na rua e já mudava de calçada, aquele que só fazia fumaça no palco onde entrava sempre descalço e descalça. Pois voltando, me perdi de Adriana na multidão, procurei meu celular na bolsa e o que encontrei aqui e ali foi o celular dela. Olhei para o meu reflexo e disse, O que estou fazendo com o celular de Adriana na minha bolsa, ou melhor, o que o celular de Adriana está fazendo na minha bolsa? E toda mulher alta assim-e-assim que passava, eu confundia com Adriana e ia lá falar, o coração na boca, mas não era, e eu sofria tanto por ela não ser ela que mal posso contar esse drama, veja só. Claro que não foi Adriana que fez a Adirondack em miniatura pra mim, Adriana só sabe tocar violão e quer que eu seja sempre passiva para ela poder treinar seu lado ativo que anda mal das pernas. A cadeirinha quem fez foi R, que me proíbe de escrever e falar seu nome completo quando me dirijo a ela e aos outros. R carinhosa fez a miniatura que saiu carinhosa, embora tenha prometido que me faria a cadeira em tamanho natural para eu poder sentar às tardes mornas vendo o pôr do sol e compor poemas de amor pra ela como forma de pagamento. Com R sou passiva de boa vontade, com muito gosto, sem que ela precise implorar. R me transporta a outros mundos quando estamos só nós dois juntas, me sinto atravessando o Gobi no lombo de um camelo lendo Elizabeth morta há mais de 40 anos mas ainda grande poeta, é o que dizem. Sua frustração era não apreciar fumar cachimbo como seu avô. Eu no fim acabo achando que prefiro dromedários e R dorme porque acha muito cansativo me levar pelo mundo todo e me trazer de volta. Ela prefere ficar em casa cuidando de suas miniaturas pra tudo e fazendo gelatina. Estou com dor de cabeça e quero parar por aqui, o vento sudoeste devora o meu cigarro e me cobre de areia, cigarro está tão caro, os dessa marca só consigo do outro lado da fronteira e estamos em guerra -- mais uma. Toda vez que tem guerra, me nasce uma verruga na mão e mal posso escrever. Porque eu escrevo, não digito. Às vezes por volta das dez. Sempre de estômago vazio. Acredito na literatura que passa fome. No debrum dos afetos. Na gaiola da psique. Na contribuição da minha saúde ao esforço nacional pela independência dos prazeres. Elizabeth é muito refinada nos versos, mas grosseira de índole. Chama de semianalfabetos os habitués de botequins. Sinto uma tristeza bordar meu coração quando ela fala essas coisas que nem verdades são. Daí finjo que não a conheço e vou beber sozinha. Malditos ianques. Estou me dando de aniversário este poema porque ninguém vai me dar um mesmo. Este que eu digo não é este, é o que está aqui ao lado e não vou mostrar a ninguém, porque meus poemas mais encerados não mostro, ninguém pisa, guardo só comigo por uns dez anos mais ou menos. Quando começam a esfarelar, jogo fora e mudo de casa. Poesia boa tem cupim. Não se revela inteira jamais. Não fica nua na frente dos outros. Tem dessas coisas, a vida. Constato que Adriana sumiu mesmo com a multidão. Como posso ligar para ela pelo celular dela? Chateio-me. A avó de Elizabeth fazia compotas. A minha fazia gelatinas. "Por isso você é um fracasso", digo pela boca de R, que briga comigo sem nunca faltar-me com o respeito. O que prezo muito. Divergências são divergências. Não sou como os idiotas que conheço: "Amor é aconchego." Para aconchego tenho minhas almofadas, ora. Pronto, o verão está lá fora e as cigarras cantam com as serras tico-tico dos homens. Tudo isso eu compreendo e me debruço sem chorar. 







11.1.19

Zelo




Acorda-se. 
Eu me sento, quase imóvel. 
O vento aspira a fumaça do cigarro pela fresta da janela fechada. 
Vão-se os dois. 
Fico olhando por um tempo. 
É a luz do sol que permite que eu veja esse zelo. 

Eu bebo um pouquinho para ter sentimento.