30.3.24

26.3.24

A borda



Eu nadava bem, mas sabia que estava demente. 

Só não sabia se os outros tinham esta percepção de mim. 

A família. Meus rivais nas raias. 

As mãos que me cumprimentavam. 

Eu sabia disfarçar, lendo e nadando, lendo e nadando. Muito. 

E o principal: a expressão serena. Tanto. 

Quando seguia para os treinos ou competições, 

eu já tinha me esquecido de por que havia saído de casa. 

Um motorista discreto me socorria nestas horas. 

O meu treinador na porta do clube. 

E principalmente a água. 

Bastava mergulhar e me lembrava de tudo. 

Aposto que você nunca teve a sensação de lembrar-se de tudo 

que aconteceu na sua vida em 100 metros de nado borboleta. 

Mais que uma sensação. 

A realidade. 

A biografia completa. 

E sempre a mesma, perfeitamente narrada. 

Todos os momentos encaixados por uma ondulação cronológica precisa 

a cada fase propulsiva de braçada e pernada. 

Ao subir no pódio para receber a medalha, 

eu não lembrava de mais nada. 

Acabado o ciclo de inspiração e não inspiração dentro da água, 

eu me via de novo sem sincronismo, 

sem lembranças, sem ar entre elas. 

Voltava para casa na velocidade errada. 

A medalha largada no banco do carro. 


 

23.3.24