26.4.24

Las Mercedes


Infelizmente ou não, no meu período de infância, Marialzirinha, como minha mãe se referia à famosa psicanalista, já não trabalhava mais na clínica de orientação infantil há muito tempo. Por motivos que talvez apenas eu desconheça, a senhora da casa só queria deixar a mente de sua filha nas mãos de Alzirinha, permitam-me a intimidade. Eu, que nunca passaria em nenhum teste de Rorschach na vida adulta, certamente teria me atrapalhado toda no dos Cubos de Kohs, embora sinta que no da Fábula de Duss eu me sairia melhor. E assim, com imenso pesar de minha mãe, que no fundo queria para o meu futuro a felicidade em forma de inserção total na classe média e no mercado de trabalho, ela viu-se obrigada a deixar de lado a minha orientação infantil por Melanies Klein mais abalizadas e dispendiosas do que ela, porque para a neuropediatria do Engenho de Dentro eu não iria de jeito nenhum, dizia assim, muito menos para o Hospicio de las Mercedes do outro lado da fronteira. O tempo foi passando e a família acabou convencendo minha mãe de que eu era uma menina perfeitamente normal. Cabeça, tronco e membros. Ela ficava me olhando de banda na hora da costura. Quando eu erguia a cabeça, voltava aos panos. Mais tarde até me interessei por seguir o ramo da psiquiatria. Matriculei-me. Tinha até esboçado uma especialidade que criei e apresentaria à banca: a Psicopirotecnia. É complicado explicar aqui e agora, mas meu estudo chegou a 800 páginas. Entre os colegas consegui uns poucos entusiastas e muitos maledicentes. Larguei tudo no terceiro ano. Eu sabia que para ter sucesso teria que fundar uma sociedade de psicanálise qualquer no fim de mundo que fosse. Abandonei o sucesso e me aferrei ao fim de mundo. No fim das contas, acho que saí ganhando.



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