29.6.21






                                   

Tenho ciúmes dos tweets que você lê. Tão distraidamente.




(repurposing ana c)



Online de batom


Enquanto às 8 da manhã tomo sol cantando Be My Baby para os meus cachorros, 

você já está online de batom dando palestras espíritas sobre a inteligibilidade e a 

dinamicidade do falar em línguas em contraposição ao ensino formal normativo-

subordinante da língua portuguesa nas instituições acadêmicas. 


Será que algum dia teremos algo em comum?

Aquele just the way you are mmm mmm mmm.



27.6.21

Coração desfibrado

 

Coração desfibrado. Acordo à madrugada com dor no peito, respiração curta. Faço as contas. Hoje é o dia 9 de um resfriado que peguei há nove dias, inegável, ao sair à rua por obrigação inadiável e duas vezes mascarada após 15 meses de segurança máxima como El Chapo. O resfriado passou, mas por que esta dor no peito justo agora? Abro a gaveta ao lado e engulo um comprimido inteiro. Saio da cama. Dou uns passos pelo quarto e meu peito suspira exalando quatro arrotos. As garras soltam o meu coração. Volto a respirar normalmente.

Se estivesse com a peste, o ansiolítico não curaria. Você é neurótica.

Sim. Errou na segunda. Eu sou MUITO neurótica.

Uma suicida com medo da morte. Com que então.

Uma suicida acanhada, digamos. Enrustida. Tudo culpa do Vinicius. Depois que ouvi, “Por cima uma laje, embaixo a escuridão”, vi que ia ser um bocado chato.

Você não é suicida. É mórbida. A melancolia inicial foi capturada en passant pela morbidez. Empate por afogamento.

Desde o início da peste minhas duas mesas de trabalho são epopeias brutas. Narram a história dos meus dias sem ordem alguma nos acontecimentos. Mas acho ali tudo de que preciso. Comprei recentemente cobertores para o frio. Suponho que são de papel como tudo em minha casa. Faço estudos para saber se foram eles que deflagraram a coriza assombrosa que caracterizou um resfriado comum sem outros sintomas dignos de crédito. Procuro no “Poeta Lírico” do Eça um fio condutor que me puxe para escrever novamente textos mais longos, como o de um pequeno bote preso a um barco incalculável que o arrasta. Tenho de começar por algum ponto. Alguma boia sinalizadora.

Há meses que você só está engolindo o mundo. Ele não cabe em você. Precisa vomitá-lo. Ou funcionará como um explosivo de ruptura.

Eu sei.

Tomo uma colherada de chocolate em pó. Volto para o quarto. Escrevo isso aqui. Peço perdão por sair assim. Direção manual. Coloco um pé só na água. Está fria. Acendo um cigarro e me ofereço. Converso com ele em voz baixa porque ele não me conhece. Ele diz que se lembrará desta tarde comigo a vida inteira. Eu o apago na areia molhada e esqueço do seu rosto enquanto ele corre. Ninguém nos observa. A minha cama cada vez mais longe da cidade.



24.6.21

Para Anne Sexton

 

to anne sexton



You know what waves really say.

They say Am I. Am I. Am I.

Anne and I am I?






22.6.21

A espera da hortelã

 


Numa casa às escuras não dá para fazer muita coisa, principalmente se faltou luz.

Nestas horas me deixo levar por um maneirismo acentuado e repito dezenas de frases diferentes com o mesmo sentido. É uma forma de me distrair e esquecer que passei a tarde toda sentindo um cheiro de hortelã sem que eu notasse à minha volta algum motivo concreto para isso.
Seria fácil se eu pudesse atribuir esta escuridão de hortelã ao cansaço. À exasperação sensorial barroca: eu ouviria duras críticas nesse sentido.
Minha pobre literatura egocêntrica seria alvo não preferencial de tudo que é tipo de mentalidade geocêntrica. Ponto para a crítica necrografista.
Alhear-me nestes pensamentos pode não produzir resultados mas faz com que por um minuto eu me esqueça do cheiro hipnótico da hortelã, com que eu me esqueça do todo contido no detalhe, um perverso vício de raciocínio que se alimenta da minha natureza confundindo-me com ela.
"Quando me procuro, nunca estou em casa." Acho que foi Hume quem desenhou esta frase. É possível que na casa dele faltasse luz também.
Minha lógica é rasteira e se estende até a mesinha de cabeceira, onde se apoia e ergue a cabeça para me procurar pela cama.
Eu disse que estava escuro.
Está escuro e o cheiro de hortelã grudou na minha pele como se tivesse medo de cair.
Eu quero ir até a cozinha mas tenho medo também de cair sobre os móveis e nunca mais me levantar. De cair no chão e não saber me arrastar.
Como uma boneca sentada numa cadeira, eu esperava que me tirassem dali.
Esperava que me levassem para passear num carro vermelho ou até o cinema da esquina,
que antes de dormir me contassem uma história bem bonita para eu poder pegar no sono
e deixassem a luz do abajur acesa depois de me prometerem que se eu fosse uma menina boazinha, amanhã não precisaria mais de tantas nebulizações.
Eu esperava.

20.6.21

Córsega




Ouço minha avó chamando o nome de minha mãe.

Mortas, o nome do vento.

De alguma forma ele me encontrou.




13.6.21

Splagchnon

 


Gosto de cada víscera do meu corpo.

Abraço meu estômago quando ele me fala.

Quando ronca como um bebê no meu colo.

Se o coração acelera e me chama, vou com ele.

Intestinos tristes desabafam. Ouço pacientemente.

O fígado briga com o cérebro. Saio de casa.

Meus ovários sentem saudades suas. Volto para casa.

Deito na cama toda rins, baço e pâncreas.

Meu útero suga seus vasos sanguíneos.

Nossos pulmões soltos pelo quarto.

Guardo tudo em mim

E chego por último no fim do que não tem nome.