26.4.16

Lange





daqui a cinco éons os bardos ainda estarão
falando de ambrosias poentes cu de moças
poucas damas dizem como eles se deliciam
de dar-lhas o rabo num arremedo contrariado

ninguém fala patriarchal male como jessica lange








24.4.16

o coração de anne sexton





Compro feijão do tempo em que havia pedra
Cato uma por uma na madeira manchada de sol
entre dois círculos líquidos de lager gelada
As montanhas refletidas nas lentes de Neuza
poeta
conversa
Sua voz adolescente escapa por entre dentes separados
onde tento encaixar uma maternidade desajeitada
Neuza não tem voz própria é o fotograma deste cine quieto
de mais uma tarde de sábado a minha moto na garagem
Neuza descobriu sua poesia à venda nas Casas Bahia online
e chora
Não suporto mais aquele velho gago a cavalo dos meus versos
e diz
Neuza leu poetas demais e não se encontra estando em todos eles
Na última pedra penso em 120 km por hora para esquecermos
tanta poesia
O coração de Anne Sexton não é para meninas







23.4.16

Adeus





Resto no copo para violoncelo








22.4.16

Listen




Listen to the muffins, child.
Listen to the donuts.
then listen to me…
whatever it may be.




# eu tenho uma visão de Cinga pura


eu tenho uma visão de Cinga pura
um autor por exemplo não precisa existir
basta ter o selo da editora
o seco da ediboura
e se a eidimbora for boua
o sadismo verbal da crítica
passará ao largo do útero
a yad há hazaká de maimônides
quente afagante e litúrgica
como eu por exemplo
sou raymond chandler
os grandes ainda vivos
têm uma equipe de escribas
basta ter o céulo da editora
o mesmo vale para o chinês
raymond carver por exemplo
são vocês
catalão basco galego francês
formados desde o século VII
por falantes cristãos das penínsulas
da literatura de bazar do mets
e um dia fodemos fodemos
nós dois e o léxico
arreganhados os méxicos
na posição geograficamente dominante
cunnilingue ao mar Negro
ejaculamos os três e outras ilhas
partículas interrogativas dessas bastilhas


13.4.16

Minha cama é quase uma mulher






Mentalmente estou sempre na cama.

Mato e fico na cama.

Estou contigo.

Não importa que não tenhas mais cabeça.

Estou ao teu lado e te amo.


Mentalmente têm passado muitos anos.

Minha cama é quase uma mulher.






11.4.16

Boipeba



O mar de Boipeba se atravessa a pé, Ana.

Se atravessa a pé o céu

A noite m'boi pewa

onde o Rio do Inferno se encontra com o mar.

Se está baixa, é hora de ir.

Se está alta, é hora de ficar.

De corpo dormido.

Cantar. 

Escorrer. 


(a Ana Maria Duarte, in memoriam)


Nestes anos todos





nestes anos todos em que eu estava na internet
traduzindo aqui e ali janelas tudo que passa
o que estavas fazendo? 
decerto lendo bons livros umbilicais
de quatro trimestres acadêmicos
foram todos a Paquetá
enquanto traduzes Uivo
diurna, noturna, casta
com teus papéis
sepulcra

por onde andavas nestes anos todos

com tuas patas dianteiras traseiras
subindo as longas escadas do vale
pegando a chave na bolsa
enquanto o gato se lambe 
no telhado e fazes pss pss
e o bicho te dá as costas
salta à rua e te comoves

na tua rua não tem carros

idem ibidem verbos
e entras sozinha na casa
com teus poemas inacessíveis
o bolo sobre a mesa
que preparastes mais cedo
antes do bonde, da capela, do morfema
abra teus lábios e o resto
corta a fatia
quase seio
tira o sapato
trancadas as portas
anoitece







9.4.16

Thes















7.4.16

Tampa de nada sobre o vazio






É dos carecas que elas gostam mais. Meu pai cantava esta marchinha carnavalesca idiota para minha mãe depois de uma briga. Só de escrever a merda desta frase 'marchinha carnavalesca' já sinto um arrepio espalhando nojo nas costelas. Repulsa pela infância, deixemos pra lá, você não iria entender e não temos vontade de explicações tão cedo na manhã. Tempos tão raivosos, a tudo me contaminam. Queria ser lírica. Mole. Goiabada. Escrever para o boi dormir. Mas recebi ontem o pulp fiction autopublicado de L e escrevo por um impulso irrefreável, como quem tem demência senil e não consegue parar de andar em círculos pela casa atrás de bulas vencidas. L é um amigo, mora em Berlim há mais de vinte anos. De carecas ele entende. Escreve seco. Reto. Peão, cavalo, bispo, torre, rei, rainha. Quase foi morto por essa corja. Em tempos de vibrião colérico lançamos mão de qualificativos arcaicos, corja, biltres, canalhas, súcia, a cara de cada pessoa reflete em mim e só posso devolver o que ela me dá. Se erguesse meu pai da tumba e lhe cantasse É dos carecas que elas gostam mais, acho que ele riria. Meu pai acompanha as notícias mesmo morto. A mudança dos tempos desde 1940 é a mesma, leio datilografado nos seus ossos. Tive aulas de deboche com ele. De westerns. De filmes sem happy end. De suicídios na ponte do Brooklyn. De metralhadoras. Corpos jogados no Ganges. Nasci tarde na vida dos dois e meu pai já não via mais E o vento levou com minha mãe nas vespertinas. O casamento já tinha ido para Solaris, o amor uma aparição vagando pela nave. Perde-se amigos em convulsões sociais. O filtro é inevitável. Dolorido. Instantâneo. Você limpa a lama em silêncio debaixo da torneira. Todos estão com a mão no coldre. Bom não provocar. Bom não pedir leite no saloon. Tento a ironia e me olham de cara feia. Ninguém quer mais brincar com ninguém, sou obrigada a guardar os brinquedos na caixa. Empunhar bandeiras. Sinalizar o amor com cadeados fechados. Escrevo por pontos cegos. Faça o teste. Este país jamais será anarquista. Aqui sempre eis a plântula da barbárie. Acendo um cigarro ao lado da bomba. A morte passa numa bicicleta branca. Não foi desta vez. Ainda bem que não somos imortais, diz R sonolenta pelos vasos sanguíneos. Aos 40 anos, os filmes começam a nos repetir. Até lá você ainda vê algumas estreias. Oh Lord, don't let them drop that atomic bomb on me. Espero que L continue escrevendo pulp fictions para eu ler antes de dormir ao lado de uns versos de Mário Faustino: Corte sem viço –– tampa de nada sobre o vazio povoado de fontes, parras, nojo –– tal a morte.