28.11.22

Mar


o mar vem e passa na areia

onde escrevo o que eu penso como se ninguém lesse



16.11.22

Zoon


Quatrocentos e oitenta ovócitos descartados, o corpo dela não gerou uma cidade, um show de música, uma sessão de cinema, uma linha de montagem, uma partida de futebol, uma guerrilha urbana, uma universidade, uma regata de veleiros, um aviário industrial, uma orquestra sinfônica, um avião de carreira, um conflito étnico, uma corrida de obstáculos, uma fila de apostas, um Minotaur HMS encalhado.

Quatrocentos e oitenta ovócitos dolorosa e naturalmente excretados, o corpo dela não gerou uma viva alma, um zoon inteiro, um zoon pela metade. Se anoitece, repousa no travesseiro os hemisférios cansados do rosto sentir-com, sentir-dentro. Eu desligo a luminária, guardo A ilha do tesouro e deixo sua cidade sem balbuciar.



13.11.22

Patricia Smith

 

Ah tem tantas coisas que uma mulher pode fazer com a ponta afiada de um diamante. Cortar a garganta de um homem e o sangue jorrar facilmente. Talhar um sorriso sinistro e convincente na parte de trás de sua própria cabeça. Eviscerar uma rival. Rasgar uma bainha de emergência para libertar o encanto absoluto de joelhos nodosos. Em um passe de mágica, transformar a peruca de terça-feira numa de sábado. O segredo é nunca parar de cantar, de injetar ar, um pouco de violência e água gelada na letra tortuosa de suas canções. Cantar como se tivesse nascido com o motor de quadris cadenciados, como se os seus peitos balançassem mais além de sua ausência de peitos. Srta. Ross, você será subestimada. Só não se esqueça de que não devem descobrir nunca como você matou Florence, inoculando astutamente em seu coração gordo apenas a sombra de uma hesitação, a sugestão de que ele explodiria. Lance o seu brilho na cara deles e mantenha o diamante na palma da mão. Esconda sua história em uma bainha de lantejoulas, onde ninguém nunca a encontrará. Disfarce-a como se fosse um pecado, como fosse dança.



Patricia Smith, "Dirty Diana". (Tradução Maira Parula)