14.12.22

the great pretender

 



Oui es rhyme the great pretender




9.12.22

 



Semioiticica







28.11.22

Mar


o mar vem e passa na areia

onde escrevo o que eu penso como se ninguém lesse



16.11.22

Zoon


Quatrocentos e oitenta ovócitos descartados, o corpo dela não gerou uma cidade, um show de música, uma sessão de cinema, uma linha de montagem, uma partida de futebol, uma guerrilha urbana, uma universidade, uma regata de veleiros, um aviário industrial, uma orquestra sinfônica, um avião de carreira, um conflito étnico, uma corrida de obstáculos, uma fila de apostas, um Minotaur HMS encalhado.

Quatrocentos e oitenta ovócitos dolorosa e naturalmente excretados, o corpo dela não gerou uma viva alma, um zoon inteiro, um zoon pela metade. Se anoitece, repousa no travesseiro os hemisférios cansados do rosto sentir-com, sentir-dentro. Eu desligo a luminária, guardo A ilha do tesouro e deixo sua cidade sem balbuciar.



13.11.22

Patricia Smith

 

Ah tem tantas coisas que uma mulher pode fazer com a ponta afiada de um diamante. Cortar a garganta de um homem e o sangue jorrar facilmente. Talhar um sorriso sinistro e convincente na parte de trás de sua própria cabeça. Eviscerar uma rival. Rasgar uma bainha de emergência para libertar o encanto absoluto de joelhos nodosos. Em um passe de mágica, transformar a peruca de terça-feira numa de sábado. O segredo é nunca parar de cantar, de injetar ar, um pouco de violência e água gelada na letra tortuosa de suas canções. Cantar como se tivesse nascido com o motor de quadris cadenciados, como se os seus peitos balançassem mais além de sua ausência de peitos. Srta. Ross, você será subestimada. Só não se esqueça de que não devem descobrir nunca como você matou Florence, inoculando astutamente em seu coração gordo apenas a sombra de uma hesitação, a sugestão de que ele explodiria. Lance o seu brilho na cara deles e mantenha o diamante na palma da mão. Esconda sua história em uma bainha de lantejoulas, onde ninguém nunca a encontrará. Disfarce-a como se fosse um pecado, como fosse dança.



Patricia Smith, "Dirty Diana". (Tradução Maira Parula)


15.10.22

Zojila Pass

 

ZOJILA PASS


you got a fast car

what are we waiting for

]



8.8.22

Airs




Airs


Ne m'en jugez







29.7.22

O tronco do ipê

 

Nasci no século passado, no decurso da leitura aos berros de uma poesia slam. 

Na sala de parto, espalhados pelo chão, os tecidos espectrais de meus irmãos não nascidos. Dava para fazer dois times de futebol. Até hoje acho que eles e elas me acompanham sem conseguir pegar a bola, que está comigo. 

Não fui profundamente desejada, mas instrumento de salvação de uma mãe. Ela não poderia tocar mais uma vez naquele mesmo ritmo. Seria fa-tal. E sua crença ingênua fê-la sonhar com a Virgem trazendo-me nos braços, um bom augúrio. Se bem que uma Virgem diabólica – diria mais tarde à menina que lia O tronco do ipê – porque aquele bebê nasceu para cobrar-lhe os pecados. 

Foi tudo muito rápido. Uma ejeção. Um despejo. 

Também eu livrei-me de um corpo estranho. 

o entendi os versos. 

Não acompanhei sua voz.



9.6.22

Kine



não me viu,

passou-me,

como um filme

]


maira, repurposing leminski

26.5.22

Club 36



Parada aqui. Esperando você aparecer na janela o outro lado da rua, o seu carro na porta. Você deve estar trabalhando e eu aqui à toa delirando com Maysa nos fones. A Maysa Meujardim. A da minha infância. Da Bottles na Duvivier. Da ponte Rio-Niterói. De Brasília azul. Numa ponte alta você precisa abrir as duas janelas do carro para o vento passar e ir embora. Como a gente. Acho que você não vai aparecer hoje. É tarde. Uma cama me espera. Uns livros na cabeceira. Podem esperar. Se eles podem, talvez eu possa. Atarefados com letras, eles não esperam você. Quem sabe talvez possam. Possam, sonoridade estranha. Possum, gambá. Posse, patrulha. Os primeiros acordes de "Resposta". Se alguém não quiser entender e falar, pois que fale. Eu não vou me importar com a maldade de quem nada sabe. Que aqueles olhos eram verdes, não azuis. Em nenhum momento Manuel Bandeira diz serem azuis. O verso são dois oceanos não pacíficos. Tem mar verde. Tem mar azul. O verde é mais fundo. Morre-se no verde. O azul é bem melhor assim. Como as mangas mordidinhas por morcegos são mais doces. Ela me ensinou. Parada aqui, no Club 36, quem me trouxe foi uma canção. Você já deve estar dormindo. Me dê a mão.



5.5.22

Caminho dos Pescadores



Ana mergulhava no Posto 6. 

Águas tranquilas, quase mortas. Sujas. Mas havia barcos na areia. Sol fraco. Amendoeiras. Velhos jogando vôlei ou damas nas mesas de concreto. Eu mergulhava no Posto 1. Onde o mar simula ser calmo. Sol no zênite. Se ondas devoram o Caminho dos Pescadores, só sobram corpos e a pedra. Vi Ana na casa de Heloísa. Olhei-a de relance. Sentada no sofá. Óculos escuros. Cabeça baixa. Como se fosse mergulhar no próprio peito. A professora nos conduziu para seu escritório. Combinamos rapidamente algo sobre poesia e fomos embora. Ana no sofá. De soslaio. Uma amiga em comum convidou-me para o lançamento de Ana num bar. Eu fui. Ana autografando. Eu bebendo. Tão longe. Não comprei o livro. Não lembro. A mesa. Soube de sua morte no domingo, na manhã depois do acontecido. Alguém me ligou. Eu estava no Posto 5. Seca.



1.5.22

1 poema de Jehan Bseiso



 Depois de Alepo


Aprendi a ler cedo.

Mas a verdade é que às vezes eu gostaria que as letras continuassem sendo desenhos estranhos por mais tempo, antes que as palavras impusessem sua tirania, antes que outras línguas fizessem da minha boca ingente o seu lar.

Não o digo literalmente.

Um dia você disse, Vamos voltar para Alepo.

Não literalmente.

Habib, há quatro anos gritávamos por mudanças e agora somos cidadãos fronteiriços.

Vamos da Turquia ao Líbano, ao Egito, mas não encontramos Alepo.

Temos vale-alimentação, critérios assistenciais e esporádica empatia.

Não escrevo mais poesia.

O barco está afundando,

literalmente,

mas não quero abandoná-lo.

Ele tem cheiro de jasmim e você, sabor de liberdade.

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Jehan Bseiso é uma poeta, contista e pesquisadora palestina voltada para o tema dos refugiados de guerra. Trabalha no Médicos Sem Fronteiras desde 2008 em países como Afeganistão, Paquistão, Iraque, Etiópia, entre outros. Atualmente é diretora do MSF-Líbano. Trad. Maira Parula, 2022.



8.4.22

No fim é a infância que volta

 

No fim é a infância que volta.

Ela já sabe.

Músicas. Ambientes.

Whisky J&B.

Cigarros Kent.

Helenas. Heloísas. Lauras.

Pelo fio do telefone preto.

O vocabulário primal.

Vozes adultas graves.

A cabeça no colo da tia preferida

abafa os gritos de Aída Curi na praia.

O retrato de Dorian Gray

asfixiado na areia da sala.

Hoje foge de vozes adultas infantis.

Compra um sol.

Deita no chão.

Não fica lembrando de coisas.

Sabe perder.


14.1.22

Here-words



Words sleep in thy head all night 

in daytime escape from 

thine ears touching thy hands 

o so softly 

like belles-lettres lice.




2.1.22

Luz seca



Enfim chego nos Agradecimentos. A melhor parte da história. Minha pena bebe água de meio-fio. Esta ilha não tem mais conchas. Há medo de se passear sob as árvores. As mulheres abandonam seus cavalos na praia por sombras de escritórios. Um besouro esvaído me olha sob a luz seca da mesa. Seus minúsculos olhos pretos, o tamanho de um ponto final. Seus minúsculos olhos pretos brilham. Piscam para mim como alguém que sabe separar a música do instrumento que a toca. Morrem um minuto depois da Nota da Autora:

              "Estou atropelando coisas para poder te ver. Não importa. É maior."

Corto a sentença. Não importa mais. 

Hoje amo olhinhos de besouros.

São menores.