23.11.18

5'


Escrevi esta história enquanto o esperava. Sei que não virá.

Cheguei às 11 em ponto no local combinado. A drogaria estava deserta e sentei-me nos fundos para tomar um espresso. Meu estômago me espremia. Tudo suava. O homem sentou à minha mesa um minuto depois de mim. Talvez já estivesse ali. Talvez fosse o funcionário das injeções, o barista, o contador. Eu esperava um circunspecto, óculos escuros, músculos e meia dúzia de palavras. Como nas ficções. O homem era queimado de sol, esquálido e durante cinco minutos cravados, sorridentes, esboçou-me o recente nascimento de uma criança em sua numerosa família. Em detalhes seguros e rápidos, os que eu poderia reproduzir aqui se a história se interessasse. Eu mal falei. Um dos meus ofícios é acreditar. Ele não responderia quando, onde e como se eu lhe perguntasse. Ouvi aquela xaropada com uma pastilha de menta derretendo na boca. Eu tinha uma pressa oculta. Quando ele parou de falar por dez segundos, senti que havíamos acabado. Entreguei-lhe um maço de notas e mostrei duas imagens nítidas na minha tela. Eu não queria erros. Não queria aparas, lama nos sapatos. Eu queria a proporção perfeita. Ele guardou as fotos dos brutamontes na memória e puxou outra de papel de dentro da carteira. A do neto. O novo planeta de sua órbita. Vi lágrimas naqueles olhos claros. Uma mulher comprou cápsulas para constipação. Eu não pedi outro café. Levantei-me e fui ver os xampus ordenados nas prateleiras. A mesa do café estava vazia quando paguei no caixa. Eu precisava daquele troco. Eu precisava de silêncio. Do silêncio de guetos espelhados num lago após o bombardeio. 

11.11.18

Are



Are you a submerging poet?




Ala C



Li O Menino Azul
Porquinho da Índia e
O Cavalo Bárbaro do Oficial Fang.
As crianças aplaudiram baixinho
triturando Toffees com dentes moles.
Para elas os poemas e eu morávamos num mosquiteiro.





10.11.18

Lerna


Viramos em minhas botas pretas impermeáveis.
Eu e minhas dormentes Danaides azuis.

O velho chamava-se Menina.






Tanto vestido





Para que tanto vestido

ao lado das velas 


a boca entreabertos 


dentes manchados 


dos pulmões mais limpos 


da cidade que não tragava






A






A respiração farta da própria carne.














Souvenirs-écrans







Numa casa de pensão em Copacabana vultos jantam em volta da mesa na sala de luz baixa é uma visão de segundos pela janela e jamais esquecida de tão criança. Não muito distante o tempo dali outra visão de uma cozinha com três sombras ao lado da mesma criança que agora tosse entalada com uma espinha de peixe não não precisa hospital bate nas costas e ela cospe outro dia dentro de um carro com os pais à noite cruzando a linha férrea onde parou no sinal seu triciclo vermelho e branco correndo na calçada da praia ou aquele jipe verde de brinquedo que a levaram até o barco entrar no mar e por ele ver as luzes batendo na água da noite escura que Ipanema mais à frente já tinha palmeiras bares biquínis canções e um Recreio dos Bandeirantes só mato areia e sol um plasma que só aparece na memória quando tem areia o resto tudo lhe aconteceu e foi gravado à noite pelo centro da cidade sem um nome definido pelas luzes dos prédios praças pelos ternos do pai os cigarros do pai as gravatas de cores mortas no radioteatro das bonecas sem cabeça com quem dormia numa poltrona-cama no quarto dos pais do pequeno apartamento de sombras perto na praia o farol girando orientando navios de uma ponta a outra do pequeno oceano da menina de mão queimada por leite fervente bota na água fria não! passa manteiga não! passa pomada Alivia e tosse tosse a garganta vai fechar opera! freiras éter arrancam da sua roupa as carnes metálicas com mais um pico de opioides e o ar passa como passou Laura amiga alta da irmã alta e a pequena lembra da canção do filme muito mais tarde num pé de vento e seu coração amolece com Laura no banco ajoelhada em poeira cristalina e gesso Credo in un dio che m'ha creato simile a sè na missa abafada de corpos em perfumes dominicais ascendendo por andaimes aos anjos de pincéis no teto da catedral ela canta no modo parlando inventa pecados do tamanho da hóstia imaculada mastiga a farinha e não peca com a morte ofício divino mas escreve com a mão esquerda na professora que diz é monstruoso e ela engole o lanche da mãe da merendeira de couro aprendendo a escrever com a mão direita na escola dos superiores e a sublinhar com lápis esse é o Lukács que achou na rua jogado fora mas compra Lévi-Strauss e deita já mulher Oswald com Macbeth e todos os outros depois destes até a terra sufocar sua Igreja da Sétima Gargalhada de Cristo na esquina das últimas forças da menina que ainda lhe sussurra você se esconde em mim.







3.11.18

Carro morto







O sol no para-brisa do carro morto ali fora. 
Do outro lado da veneziana do quarto. 
Longe os tambores de uma parada militar. 
Ou sua rotação dentro de máquinas de lavar. 
Pelas palhetas da janela, o desenho do sol no teto de madeira. 
Folhas negras oscilantes de um frágil galho de árvore entre paralelas douradas. 
Somos dos seres inmunes.













1.11.18

Una notte a Napoli







Con il sole ed il mare 
monomotores do azul puxavam suas faixas
napalmizando rolos de corpos farpados
eu matava formigas ainda no berço
imóvel na banqueta
você me olhou
entre duas barsexuais
bêbadas de maita'i
você me olhou e ouvi
these 2 zombies are boring
entre dois versos de she’s like a shot
sua barriga suada de muay thai
era uma obra de arte 
all mine all mine

Quante notti da sognare?  
íamos vender bananas em Nápoles