19.10.13

Os sete livros



Resolvi ler os livros de Duílio sem uma ordem cronológica. Peguei o de 2007,  mais pelo título, porque o dedica à mãe e a primeira frase é curta e bombástica. Duílio escreveu sete livros em 51 anos de vida. Não é muito se considerarmos que seus contemporâneos chegam a escrever dois por ano. Mas Duílio não é desse tipo. É meticuloso. Espera as vivências, deixa tudo marinando para depois rearranjar sentimentos e conclusões no  papel. Não tinha pressa de contar. Esses intervalos podem durar anos até ele fechar um acordo consigo mesmo de que tem algo a dizer e está preparado para isso. Conheço Duílio desde o colegial. Eu tirava as notas mais altas enquanto ele pensava. Nunca precisei pensar para ser o melhor aluno. O que ele pensava não dividia comigo. Escrevia num caderno que não mostrava a ninguém. Quando conversávamos, falava frases soltas, sem um fio  lógico. Eu precisava acompanhá-las e montar o quebra-cabeça. Mais tarde, em casa, eu remontava e entendia outra coisa. Ou chegava a outro resultado. Não sei bem se Duílio me ensinou a pensar, era um processo mecânico de montar, desmontar e remontar as peças. Não via sentimento nisso.  Nem ideias que me fossem de proveito. Era um jogo. Eu gostava porque não tinha um final. Para ele devia ser diferente.  Era como se falasse sozinho e ia escrevendo na cabeça, sem pensar ou pensando demais,  o que em certa medida dá no mesmo. Ou assim eu pensava. As poucas frases que me dizia não deviam ser o livro todo. Mas dava para juntar os pontos para eu chegar no meu mapa. No lugar em que eu queria chegar. Que não era o dele. Ou assim eu pensava. Ou queria pensar. Acabei fazendo engenharia e nunca mais vi Duílio. Casei cedo, tenho três filhos e acho que tudo me cabe por direito, e esforço. Nunca precisei pensar para casar, ter filhos e vencer na vida pelo trabalho. Foi acontecendo naturalmente. Sem pontas soltas. A mente de um homem é como um bloco num condomínio de muitos blocos. Há o porteiro, o faxineiro,  o segurança, o síndico, e todos os apartamentos estão ocupados, exceto um. Era ali que ele guardava os sete livros que escreveu. As sete dedicatórias. Os 51 anos que viveu dentro das sete pastas que sua mãe me entregou no dia em que a revi. As sete pastas com os manuscritos dos livros que nunca publicou. Duílio deu o último banho no seu cachorro,  escreveu bilhetes confessando que foi de caso pensado, alugou um flat em outro bairro e se jogou do último andar. Deixar os manuscritos comigo foi seu último desejo. Eu sou engenheiro e  não sei o que fazer com isso. Não posso fazer nada, apenas ler. Não sei se Duílio concordaria com o meu desdém pela cronologia. Por embaralhar novamente suas frases e vivências. O seu tempo. Isso ele não falava. Estou num hotel após o funeral e amanhã volto para São Paulo. Tomo um banho e arrumo a mala. À meia-noite sento na cama e começo a ler 2007. Após alguns minutos, pego no sono. Eu não sentia falta de nada.