2.6.14

A vida onde moro





A vida onde moro é muito alta. Um arranha-céu.
Não vou dizer o meu andar porque você vai acabar
sabendo a minha idade 
e não vai acreditar 
nunca acreditam 
sempre tive de esfregar 
a identidade na cara de algum 
então imagine que eu more num andar 
bem lá pra cima 
sem número 
que até por elevador você teria medo de chegar 
e quando chegasse 
tem medo de descer 
eu também 
quanto mais alto menos tenho vontade de descer 
ruas ficam perto demais da terra 
posso tropeçar 
ser engolfada por um buraco de infância
é tão esquisito isso. 
Lama. Carne.
Então fico no meu andar. 
Poucas coisas me acontecem aqui 
mas quando acontecem escrevo 
nesta folha dobrada sobre um livro de poesia
escrevo à mão com caneta azul minha preferida 
me apoio no livro de poesia porque acho que de alguma forma
o que escrevo vai parar dentro das poesias 
que o poeta publicou e sinto como se minhas coisas 
estivessem publicadas ali também 
e muita gente leria pensando ser tudo dele 
se bem que não 
eu não escreveria aquelas coisas que ele diz 
mesmo estando ali dentro do livro com ele 
tenho vergonha de gente ele vendo o que eu faço
o que eu sinto As pessoas 
as pessoas buscam 
uma explicação 
um enlevo 
uma identificação
uma vida onde morar 
que não sei se estou pronta para dar 
e a comparação 
vão fazer comparações com o que já leram
vê 
eu não suportaria 
eu gostaria só que sentissem 
que estão aqui comigo 
juntos por alguns segundos 
que soubessem que não estão sozinhas
que eu entendo se não gostarem do que escrevo 
que entendo se gostarem e nos damos as mãos 
assim 
e de mãos dadas 
vamos até a minha janela embaçada 
ver as rodas guinchando no asfalto 
formando palavras que não dizemos