A vida onde moro é muito alta. Um arranha-céu.
Não vou dizer o meu andar porque você vai acabar
sabendo a minha idade
e não vai acreditar
e não vai acreditar
nunca acreditam
sempre tive de esfregar
a identidade na cara de algum
a identidade na cara de algum
então imagine que eu more num andar
bem lá pra cima
sem número
bem lá pra cima
sem número
que até por elevador você teria medo de chegar
e quando chegasse
tem medo de descer
tem medo de descer
eu também
quanto mais alto menos tenho vontade de descer
ruas ficam perto demais da terra
posso tropeçar
ser engolfada por um buraco de infância
ser engolfada por um buraco de infância
é tão esquisito isso.
Lama. Carne.
Então fico no meu andar.
Lama. Carne.
Então fico no meu andar.
Poucas coisas me acontecem aqui
mas quando acontecem escrevo
nesta folha dobrada sobre um livro de poesia
mas quando acontecem escrevo
nesta folha dobrada sobre um livro de poesia
escrevo à mão com caneta azul minha preferida
me apoio no livro de poesia porque acho que de alguma forma
o que escrevo vai parar dentro das poesias
que o poeta publicou e sinto como se minhas coisas
estivessem publicadas ali também
e muita gente leria pensando ser tudo dele
se bem que não
eu não escreveria aquelas coisas que ele diz
mesmo estando ali dentro do livro com ele
tenho vergonha de gente ele vendo o que eu faço
o que eu sinto As pessoas
as pessoas buscam
uma explicação
um enlevo
uma identificação
uma vida onde morar
uma vida onde morar
que não sei se estou pronta para dar
e a comparação
vão fazer comparações com o que já leram
vê
vê
eu não suportaria
eu gostaria só que sentissem
que estão aqui comigo
juntos por alguns segundos
que soubessem que não estão sozinhas
que eu entendo se não gostarem do que escrevo
que entendo se gostarem e nos damos as mãos
assim
e de mãos dadas
vamos até a minha janela embaçada
e de mãos dadas
vamos até a minha janela embaçada
ver as rodas guinchando no asfalto
formando palavras que não dizemos