6.4.15

Chame o dr. Horder


Pego um cigarro do maço e vejo
que já tem dois em cima da mesa.
Esquecidos. 
Chama-se pressa. 
Ou celeridade pós-moderna como querem alguns.
Angústia de antecipação, diz o dr. Horder. 
Coloco sons de fogo. Só me perturbam.
As achas estalam.
Tiro.
Boto som de ondas quebrando.
Sim.
Firmo a cadeira na areia.
Não sei se fico olhando a praia, o teclado.
Que algo aconteça.
O senhor pode ver daí.
O mar está longe longe, dr. Horder.
E tenho trabalho a fazer.
Queimar mármore italiano para fazer cal.
Praia do Cordão Azul, escrevo na primeira linha.
Imprópria para banhos.
O lixo se move como um cardume.
Pedaços de madeira, plástico, papel, garrafas, entranhas.
É só o que consigo ver daqui.
Flutuam apegados uns aos outros.
Sobem e descem. 
Resistem à força das ondas.
Não querem dar na terra.
Agora se afastam mais e mais de mim.
As moscas repousam no copo que esqueci.
O mar cochicha sem pensar no que diz.
O senhor é que é feliz porque não precisa
aprender as regras da poesia, dr. Horder.
A sua vida é um cisne que desliza sobre rio calmo.
Não que eu as siga.
Mormaço, eu só flutuo nos seus tormentos.
Subo e desço.
Apegada a mim mesma.
A juventude hospedada. Deposta.
Sem acreditar ainda, veio cansada.
É só o que consigo ver daqui.