20.5.15

Ficamos parados ali por um tempo





Estou seguindo esse filho da puta há 4 horas e ele só faz andar. Não senta num banco de praça, num degrau de igreja, num engradado de cerveja. Não entra num boteco pra tomar café, uma talagada de cachaça, um maldito ovo colorido. Nem numa lanchonete fresca pra tomar suco de hortaliça. Não para numa banca de jornal nem pra ler de graça os títulos que deram às misérias do dia. Não para pra mijar. Não para pro pitoresco. Um prédio após o outro e o corno não entra em nenhum. Não tem amante, não tem cliente, não tem patrão, não tem parente. Só faz andar. Olha que pernas ridículas. O cabelo batido na cabeça. Ombros estreitos e caídos. Um fracasso. Passa pela praia e não senta pra pegar um sol. Senta aí, desgraçado. Tá um calor infernal. Estou quebrado já. E anda rápido o infeliz. Que história terei pra contar? Ele mora no bairro e não para pra falar com ninguém. Uma paradinha só. Ninguém cumprimenta o demente. Um simples aceno, nada. Não acende o cigarro de ninguém. Caminha reto. Sem olhar para os lados. Sem olhar para trás. Não tem a ânsia dos fugitivos. Se olhasse para trás, eu teria de me esconder. Pelo menos isso. E se na hora não tiver uma árvore, um poste, um gordo? Não sei como ele ainda não foi atropelado. Atravessa mecanicamente, como se seguisse um comando, a Providência divina. Um robô. Um profeta. Sujeito maluco. Estou seguindo um maluco. Ele não vê que estou seguindo um maluco? Chego a pensar que ele está querendo me levar para algum lugar. Que ele é que me segue invertido. Penso mil bobagens. Andar me faz pensar. Só besteira. Tem gente que gosta. Distrai. Alguns conseguem não pensar em coisa nenhuma, como se parados a coisa nenhuma virasse séria. Eu para refletir preciso de poltrona. Estar com a bunda relaxada num assento macio. Excomungado. Virou outra esquina. Estamos na divisa com outro bairro. Quantos mais? Acho que vou andar a cidade inteira hoje. Esta cidade miserável. Preciso parar. Tenho sede. Esqueci de trazer suprimentos. Burro. Meu corpo começa a sentir a caminhada desenfreada, o movimento constante e igual. Daqui a pouco vou precisar me alongar, erguer os braços, rebolar, dançar, e tudo isso sem parar de andar. Minha conta no banco está zerando e seguir este viado me dará alguns zeros de conforto. Não sei por que alguém ia querer seguir este inútil. Há 4 dias é assim. Essa maratona no deserto. Não olho para ninguém. Não olho para os lados. Só para ele à minha frente. Não sei como não fui atropelado. Tenho vontade de ultrapassá-lo só pra ele ver como seguir alguém é bom. Ele não faz ideia. Corno. Eu poderia dar um tiro naquelas costas. Não, nas perninhas inquietas. Sim, as malditas pernas. Essas pernas têm de parar de andar. Que inveja das histórias que dizem "Ficamos parados ali por um tempo". Faça alguma coisa, demente. Olhe para trás e fale comigo. Venha pedir satisfações. Pergunte as horas. Um endereço. Estou mirando a sua cabeça há 4 semanas e só faço andar. O alvo já está decorado, em todas as suas variações de ângulo. Se a rua desce, pow. Se sobe, pow. Eu vou te matar, palerma. Faça alguma coisa ou eu vou te matar. Eu preciso de uma história pra contar.