16.9.15

Reflexões tediosas num quarto vermelho ouvindo Being Her Shadow




(À Inês, a Santa Padeirinha)


Olha aqui. Pega seus cumpadi e umas cumadi, cria um jornalzinho, uma revistinha, um sitezinho. Ponha um nome assim que todos achem chic matador depois de muita porradaria e discussão. Daí primeiro vocês se publicam entre sis. Aquela velharia toda acumulada nos arquivos. Quando cansarem, ou estiver pegando mal a falta de diversidade, publiquem os apaniguados, conterrâneos, o cousin, a cousine, um credor, whoever queiram levar pra cama, e todo o catálogo de autores da editora pela qual você terá uma chance de ser publicado. Essa mesma, aquela em que você está de olho. Puxe o saco do grand auteur, dos acadêmicos da marginalidade e dos que têm uma quadrilha de fãs por trás de si. Puxe por igual. As minibios têm de ser maiores do que os poemas. Se possível, a cada poema publicado, tasque o currículo. Não se esqueça de mencionar os prêmios, de que sociedade ou instituição é membro, e o nome do empregador, se for de marca. Faça citações. Seus poetas mortos preferidos. Na hora de falar dos vivos, não quer ser injusto. Não fala de ninguém. Ou lembra do cumpadi. Do credor. De um poeta-editor-performer com muita penetração na Bahia. Se tiver uma história de vida sofrida, sofra sofra tudo outra vez ao recontá-la, parece que foi ontem. Miséria, alcoolismo, assédio sexual. Obrigatória presença numa rede social pra falar de você num loop interminável. Obrigatória presença em lançamentos, debates, feiras de livros, mesas-redondas. Plantar notinhas na imprensa, grande, média, ínfima. Divulgue suas fotos. Vídeos vídeos vídeos. Cara séria, sofrida, meditabunda. Na frente de um computador, de preferência. Na porta de um museu de artes. Na frente da réplica do Grito. Num boteco. Tudo depende do freguês. Espere respostas e elogios. Ânsia ânsia ânsia. Você está ali para ser elogiado. O poema é um detalhe. Que lugar-comum. Essa não. Eu tive tanto trabalho. Suei sangue. Compare o seu com o do outro. Sofra. O do outro é melhor. Por que não pensei nisso? Uma bobajinha e ficou tão bonito. Insista. Insista. Insista. Um dia você aprende. Repita comigo. Na hora do porre, você chora. Eu sou um merda. Há quem console. Não é não, bem. O mercado é assim. A literatura é assim. E começa a ventar. As janelas batem. Você quer se matar. Mas antes precisa telefonar. Essa é a história da poesia que todo mundo está cansado de falar. Faço farinha. É a mesma catequese desde o Grande Piahy. Epa, pera aí. Tem um poeminha seu que você quer que saia num jornal bacana. O jornal melou. É tudo filha da puta. A editora liga. Uma outra. Verdade? Vocês são maravilhosos. Yes. Saia pra comemorar. Você merece.