13.11.16

Eu o visto a mulher



Eu o vestiria de mulher e faríamos um chicken soup no chão da cozinha. 
O mais perto possível do forno aceso. 
Não precisamos de maquiagem. 
Depois eu limparia todo o seu corpo melado com a minha camiseta molhada preferida. 
Ele tem as pernas finas de Anne Sexton e o imagino sentado de coxas cruzadas atendendo meus telefonemas mais pueris. 
Um copo de Benrinnes ao lado, um ligeiro desvio na coluna, um cigarro encancerado na curva do cinzeiro. 
Os óculos mal-ajustados descendo milimetricamente pelo nariz. 
Ele acerta as hastes atrás das orelhas e ouço sua aliança raspando no receptor plástico do telefone. 
Os pneus da cadeira giratória ferindo o assoalho de madeira. 
Eu o amaria e ele escreve poemas de amor para outra. 
A mulher de fato. 
A que não me conhece e não sabe que eu o visto de mulher quando ele chega do trabalho no meu pensamento. 
Que eu faço o que ele me pede. 
A estrela da morte. 
Em forma de muffin e nos respingamos as duas num romance psicológico de quatro portas. 
O hacker do cubículo em frente disse que posso ler toda a correspondência de Sexton se eu quiser, é só contratá-lo. 
Mas o que me restaria para imaginar? 
Para acrescentar. 
A sala dele, o escritório, o quarto de dormir, o fogão. 
As filhas que eu não lhe daria. 
Minha mãe tentando me abortar com aguarrás. 
Os gritos que damos dentro do túnel sem saber se estamos indo ou voltando. 
Ele me apresentando aos seus amigos, É a minha sobrinha. É a minha avó. 
Como eu apresentava meu pai aos meus, É o meu professor de matemática. É o cão do meu rebanho. 
Sexton acende o cigarro que dormia profundamente: as pílulas são a dieta da morte. 
Os oito beijos químicos. 
Ele para de falar e espera de mim uma reação. 
Eu copio o que ele diz no meu diário. 
Coloco outras palavras no meio. 
Bioformas. 
O doce peso do seu útero. 
E não comento nada. 
Ele sabe que quando fico em silêncio é porque gostei. 
Como os quadros que nos veem nos museus.