Coração desfibrado. Acordo à
madrugada com dor no peito, respiração curta. Faço as contas. Hoje é o dia 9 de
um resfriado que peguei há nove dias, inegável, ao sair à rua por obrigação
inadiável e duas vezes mascarada após 15 meses de segurança máxima como El
Chapo. O resfriado passou, mas por que esta dor no peito justo agora? Abro a
gaveta ao lado e engulo um comprimido inteiro. Saio da cama. Dou uns passos
pelo quarto e meu peito suspira exalando quatro arrotos. As garras soltam o meu
coração. Volto a respirar normalmente.
Se estivesse com a peste, o
ansiolítico não curaria. Você é neurótica.
Sim. Errou na segunda. Eu sou
MUITO neurótica.
Uma suicida com medo da morte. Com
que então.
Uma suicida acanhada, digamos. Enrustida. Tudo culpa do Vinicius. Depois
que ouvi, “Por cima uma laje, embaixo a escuridão”, vi que ia ser um bocado chato.
Você não é suicida. É mórbida. A
melancolia inicial foi capturada en passant pela morbidez. Empate por
afogamento.
Desde o início da peste minhas
duas mesas de trabalho são epopeias brutas. Narram a história dos meus dias sem
ordem alguma nos acontecimentos. Mas acho ali tudo de que preciso. Comprei recentemente
cobertores para o frio. Suponho que são de papel como tudo em minha casa. Faço
estudos para saber se foram eles que deflagraram a coriza assombrosa que
caracterizou um resfriado comum sem outros sintomas dignos de crédito. Procuro
no “Poeta Lírico” do Eça um fio condutor que me puxe para escrever novamente
textos mais longos, como o de um pequeno bote preso a um barco incalculável que
o arrasta. Tenho de começar por algum ponto. Alguma boia sinalizadora.
Há meses que você só está
engolindo o mundo. Ele não cabe em você. Precisa vomitá-lo. Ou funcionará como
um explosivo de ruptura.
Eu sei.
Tomo uma colherada de chocolate
em pó. Volto para o quarto. Escrevo isso aqui. Peço perdão por sair assim. Direção
manual. Coloco um pé só na água. Está fria. Acendo um cigarro e me ofereço.
Converso com ele em voz baixa porque ele não me conhece. Ele diz que se
lembrará desta tarde comigo a vida inteira. Eu o apago na areia molhada e
esqueço do seu rosto enquanto ele corre. Ninguém nos observa. A minha cama cada
vez mais longe da cidade.