23.1.24

16.1.24

A poesia de Dora Vasconcellos

 


Guardei teu murmúrio em mim

         As palavras mortas nas cartas
         Guardei das montanhas o poder

         A transparência do tempo
         Plantei a violeta no silêncio
         Dos meus olhos

         Guardei a eternidade da súplica
         A tristeza do refrão
         Guardei a tarde na areia

         Sobrevivi à palavra dolorida
         À narrativa sem enredo
         À fábula sem desenhos

         Perdi tuas ausências
         Meu hábito de olhar de longe
         A própria vontade de ter

         Perdi as curvas do crepúsculo
         O outro lado da ponte
         Os minutos rio abaixo

         Perdi a resistência
         Do guerreiro
         Perdi a hora do vento

         Ao te perder
         Voltei a mim lentamente
         Todas as lembranças
         São companheiras do tempo.

*

Dora Vasconcellos, "I have treasured your murmur". Poeta e diplomata, Dora foi letrista de Heitor Villa-Lobos. Três livros publicados. (Trad. Maira Parula)



15.1.24

Hope Piece

 

Imagine there's no heaven.

Imagine there's no countries.

Imagine no possessions.

Imagine all the people.

Dig a hole in your garden to put them in.


*

(Fusão Lennon's Imagine & Ono's Cloud Piece, MP)



11.1.24

Annie Ernaux


Senti uma violenta vontade de cagar. Corri até o banheiro, 
do outro lado do corredor, e me agachei na privada, de frente para a porta. Eu podia ver o piso de ladrilhos entre minhas coxas. Empurrei com todas as minhas forças. Aquilo disparou como uma granada, num jato de água que espargiu até a porta. Vi um pequeno banhista pender de meu sexo na ponta de um cordão vermelho. Nunca imaginei ter aquilo dentro de mim. Eu teria que andar com ele até o meu quarto. Peguei-o com a mão — era estranhamente pesado — e avancei pelo corredor apertando-o entre as coxas. Eu era uma besta-fera.


Annie Ernaux em L’événement, 2000. (Trad. Maira Parula)



2.1.24

They Like Delicate Poetry



 

They like Delicate Poetry.

Only Delicate Poetry. 

Almost a delicacy. 

An urinary hesitancy.

And they expect that from a poetess. 

Always the Poetess.

Who are "They"?

Who erected such Byzántioi?

Who cooks the remains for the losers?

Shush

I have a novelty for itch of you:

our Poetess is right here 

waiting for yous.

I am two

inside her bawdy.

And She is not jubilant.

Now,

all you got to do is come down 

twenty-five steps then turn left. 

Maybe I'm on the right side. Wrong. Mute. 

Maybe this basement is silent too. 

Certainly much more gloomy than deep dark. 

Facilis descensus Averno.

Be care 

if I care. 

Otherwise how could Poetess grab them. 

Who are "Them" anyway 

men? 

women? 

somefang?

odder delicate poets?

the Gilga meshes? 

dronedaries? 

Donald Ducks?

AI psychos?

otakus? 

C'mon 

this shit is getting me weeeeary 

my Kershaw jaws quiver 

bleeding all over the cold floor 

the Great Rome of triumphal aches. 

You may slip in Poetess' blob blob blood 

and I wont forget that Ever. 

Maybe I'm right beyond my drawl wrongness after all.

See? 

I havent finished off the poem yet. 

Now you have to descend filthy-two steps. 

The longer you take, the more I write. 

Oh, not me, no. 

The up-and-coming poetess inside my clenched hands. 

Would you save her? 

Or me, 

her Pthree-sixty-five,

her petrified cotton-head,

the Great Bert All Brushed.

Course not. 

I know From. 

Beginning told me:

There is a time to predate spoken language.

There is a time to cannibalize written language. 

O lord, now I can sniff out 

the First You coming right twart me.

I can hear. 

Here now at last.

Young, large and fresh. Mesopotamian.

Anticathartic.

The blade stops quivering, my ladies daddies.

Every line a victory.

Every cut a Thebes.

Applause, paws!

Poem is ready.