Eu nadava bem, mas sabia que estava demente.
Só não sabia se os outros tinham esta percepção de mim.
A família. Meus rivais nas raias.
As mãos que me cumprimentavam.
Eu sabia disfarçar, lendo e nadando, lendo e nadando. Muito.
E o principal: a expressão serena. Tanto.
Quando seguia para treinos ou competições,
já tinha me esquecido de por que havia saído de casa.
Um motorista discreto me socorria nestas horas.
O meu treinador na porta do clube.
E principalmente a água.
Bastava mergulhar e me lembrava de tudo.
Aposto que você nunca teve a sensação de lembrar-se de tudo
que aconteceu na sua vida em 100 metros de nado borboleta.
Mais que uma sensação.
A realidade.
A biografia completa.
E sempre a mesma, perfeitamente narrada.
Todos os momentos encaixados por uma ondulação cronológica precisa
a cada fase propulsiva de braçada e pernada.
Ao subir no pódio para receber a medalha,
não lembrava de mais nada.
Acabado o ciclo de inspiração e não inspiração dentro da água,
eu me via de novo sem sincronismo,
sem lembranças, sem ar entre elas.
Voltava para casa na velocidade errada.
A medalha largada no banco do carro.