Maira Parula
autoral
14.10.24
6.10.24
19.9.24
10.9.24
5.9.24
1.9.24
28.8.24
22.8.24
21.8.24
A poesia de Dulce María Loynaz
Hei de acomodar-me em ti como o rio ao leito,
como o mar à praia, como a espada à bainha.
Hei de correr em ti, cantar em ti, guardar-me em tipara sempre.
Fora de ti o mundo há de sobrar-me, como ao rio sobra o ar,
ao mar a terra, à espada a mesa do banquete.
Dentro de ti não há de faltar-me brandura de limo para minha corrente,
perfil de vento para minhas ondas, cingidouro e repouso para meu aço.
Dentro de ti tudo está; fora de ti não há nada.
Tudo que és está em seu posto; tudo que não sejas me há de ser vão.
Caibo em ti, feita à tua medida; mas se for em mim
que algo falta, cresço... se for em mim que sobra, corto.
(Dulce María Loynaz, em Poemas sin nombre, 1953. Trad. Maira Parula)
17.8.24
15.8.24
12.8.24
2.8.24
Joseph Brodsky
Não que eu esteja enlouquecendo, mas o verão me deixou esgotado.
Ao buscar uma camisa na cômoda, o dia já está acabado.
Que o inverno chegue mais cedo e sepulte o terreno inteiro –
a cidade, as pessoas, e a vegetação acima de tudo.
Eu dormirei completamente vestido ou lerei uma página aberta qualquer
de um livro que não conheço, enquanto as sobras do ano terminam,
como um cão que foge do dono cego atravessando o asfalto no lugar certo.
Liberdade – é quando esquecemos o patronímico do tirano,
e nossa saliva é mais doce do que halva de Shiraz,
e, assim, mesmo que o cérebro, como um chifre de carneiro,
seja torcido ao máximo, nada pingará do azul do olho.
Joseph Brodsky, "Not that I'm going mad...", 1976. (Tradução Maira Parula)
8.7.24
6.7.24
4.7.24
3.7.24
2.7.24
25.6.24
"Redigir um currículo"
Para Szymborska a propósito de seu poema "Pisanie życiorysu"
Redigir um currículo.
O ranger das fragmentadoras de papel.
24.6.24
Lett's pleien Chauceresque n'all
O lett me sitte hēr fore ever
with my quyet thynges,
this clere fyr in flambes, rope
and knyf thou shalt not sēn,
thynges alast in theim-self,
mi-self being ech of theim.
19.6.24
29.5.24
22.5.24
16.4.24
26.3.24
A borda
Eu nadava bem, mas sabia que estava demente.
Só não sabia se os outros tinham esta percepção de mim.
A família. Meus rivais nas raias.
As mãos que me cumprimentavam.
Eu sabia disfarçar, lendo e nadando, lendo e nadando. Muito.
E o principal: a expressão serena. Tanto.
Quando seguia para treinos ou competições,
já tinha me esquecido de por que havia saído de casa.
Um motorista discreto me socorria nestas horas.
O meu treinador na porta do clube.
E principalmente a água.
Bastava mergulhar e me lembrava de tudo.
Aposto que você nunca teve a sensação de lembrar-se de tudo
que aconteceu na sua vida em 100 metros de nado borboleta.
Mais que uma sensação.
A realidade.
A biografia completa.
E sempre a mesma, perfeitamente narrada.
Todos os momentos encaixados por uma ondulação cronológica precisa
a cada fase propulsiva de braçada e pernada.
Ao subir no pódio para receber a medalha,
não lembrava de mais nada.
Acabado o ciclo de inspiração e não inspiração dentro da água,
eu me via de novo sem sincronismo,
sem lembranças, sem ar entre elas.
Voltava para casa na velocidade errada.
A medalha largada no banco do carro.
14.2.24
13.2.24
25.1.24
23.1.24
16.1.24
A poesia de Dora Vasconcellos
Guardei teu murmúrio em mim
As palavras mortas nas cartas
Guardei das montanhas o poder
A transparência do tempo
Plantei a violeta no silêncio
Dos meus olhos
Guardei a eternidade da súplica
A tristeza do refrão
Guardei a tarde na areia
Sobrevivi à palavra dolorida
À narrativa sem enredo
À fábula sem desenhos
Perdi tuas ausências
Meu hábito de olhar de longe
A própria vontade de ter
Perdi as curvas do crepúsculo
O outro lado da ponte
Os minutos rio abaixo
Perdi a resistência
Do guerreiro
Perdi a hora do vento
Ao te perder
Voltei a mim lentamente
Todas as lembranças
São companheiras do tempo.
*
Dora Vasconcellos, "I have treasured your murmur". Poeta e diplomata, Dora foi letrista de Heitor Villa-Lobos. Três livros publicados. (Trad. Maira Parula)
15.1.24
Hope Piece
Imagine there's no heaven.
Imagine there's no countries.
Imagine no possessions.
Imagine all the people.
Dig a hole in your garden to put them in.
*
(Fusão Lennon's Imagine & Ono's Cloud Piece, MP)
11.1.24
Annie Ernaux
Annie Ernaux em L’événement, 2000. (Trad. Maira Parula)
8.1.24
2.1.24
They Like Delicate Poetry
They like Delicate Poetry.
Only Delicate Poetry.
Almost a delicacy.
An urinary hesitancy.
And they expect that from a poetess.
Always the Poetess.
Who are "They"?
Who erected such Byzántioi?
Who cooks the remains for the losers?
Shush
I have a novelty for itch of you:
our Poetess is right here
waiting for yous.
I am two
inside her bawdy.
And She is not jubilant.
Now,
all you got to do is come down
twenty-five steps then turn left.
Maybe I'm on the right side. Wrong. Mute.
Maybe this basement is silent too.
Certainly much more gloomy than deep dark.
Facilis descensus Averno.
Be care
if I care.
Otherwise how could Poetess grab them.
Who are "Them" anyway —
men?
women?
somefang?
odder delicate poets?
the Gilga meshes?
dronedaries?
Donald Ducks?
AI psychos?
otakus?
C'mon
this shit is getting me weeeeary
my Kershaw jaws quiver
bleeding all over the cold floor —
the Great Rome of triumphal aches.
You may slip in Poetess' blob blob blood
and I wont forget that Ever.
Maybe I'm right beyond my drawl wrongness after all.
See?
I havent finished off the poem yet.
Now you have to descend filthy-two steps.
The longer you take, the more I write.
Oh, not me, no.
The up-and-coming poetess inside my clenched hands.
Would you save her?
Or me,
her Pthree-sixty-five,
her petrified cotton-head,
the Great Bert All Brushed.
Course not.
I know From.
Beginning told me:
There is a time to predate spoken language.
There is a time to cannibalize written language.
O lord, now I can sniff out
the First You coming right twart me.
I can hear.
Here now at last.
Young, large and fresh. Mesopotamian.
Anticathartic.
The blade stops quivering, my ladies daddies.
Every line a victory.
Every cut a Thebes.
Applause, paws!
Poem is ready.
30.12.23
I Will Tarantine You
Oh well, New Year is at my door
with boots made for kickin’ me, for sure
but I just found a brand new box of matches, yeah
to tarantine everything out of it for a while
23.12.23
1 poema de Raymond Carver
É agosto e faz seis meses
que não leio um livro,
exceto um tal de A retirada de Moscou
de Caulaincourt.
Mesmo assim, estou feliz
andando de carro com meu irmão
e bebendo uns tragos de Old Crow.
Não temos nenhum lugar em mente para ir,
apenas seguimos em frente.
Se eu fechasse os olhos por um minuto,
estaria perdido, se bem que
eu me deitaria com prazer e dormiria para sempre
na beira desta estrada.
Meu irmão me cutuca.
A qualquer momento, algo vai acontecer.
Raymond Carver, do original "Drinking While Driving". (Tradução Maira Parula)
19.12.23
11.12.23
29.11.23
10.11.23
6.11.23
Allegro insopportabile
18:35 é a mais bela cor de Veneza. Nem um minuto a mais, nem um minuto a menos para contemplar aquele irreprodutível azul.
18:38 um fulminante vaporetto bêbado divide nossa gôndola ao meio.
18:42 irrespirantes, escalamos a arquitetura palazzina feito ratos.
21:13 ao naufragar no poema-canal, eu cogitaria todo um novo mundo de formas: Basta um só verso-rebocador belíssimo para empurrar outros vinte paquidermes.
23:10 à janela da chambre venitiènne penso alto, Não sei por que falam tão mal das águas fétidas de Veneza se deviam elas também ser patrimônio da humanidade por abrigarem no fundo de um lodaçal ticiano as bactérias descendentes da microbiota intestinal de Vivaldi. A ruminar um tiramisù, você não dá ouvidos a minhas considerações sentimentais. Vou tomar meu décimo banho e coloco La caccia para ouvirmos.
Salvatore Quasimodo
Todos estão sozinhos no coração da terra,
apunhalados por um raio de sol:
e de repente a noite.
Salvatore Quasimodo, "Ed è subito sera". (Trad. Maira)