3.3.07

Akhmatova, Nagasaki, Omaha & Nobodaddy


AKHMATOVA AKHMATOVA

HÁ UMA MINA ABANDONADA EM POTOSÍ

AKHMATOVA AKHMATOVA

AY CARAJO!

DIGA QUE SÍ




+



Conheci um poeta beat em Nagasaki pouco depois de Emilinha gravar a última cena de "Cala a boca, Etelvina". A cidade estava em reconstrução, voltando a amontoar casas, e qualquer corrente de ar era um risco. Eu evitava tossir. Bob me perguntava do Cassino da Urca. Queria ler seus poemas no Rio. Emilinha já havia trocado a Urca pelo Cassino Atlântico. Bob desconhecia muitas coisas, pude reparar com gosto depois de dois apliques de metadona. Era fã de Emilinha. Decepcionado com Carmen Miranda, sua ambição poética era ser anônimo. Esquecido. Me convidou para conhecer sua família em New Orleans, onde recitava em cafeterias baratas. Jazz poet por essência, dispensara o be-bop depois de ver Carmen no cinema. Chegou a escrever "Cocoa Morning" para o Bando da Lua, que não se interessou. Bob sofria. Parece que não gostava de ser americano. Odiava Ginsberg, que lhe roubara dois namorados com promessas de transformá-los em poetas. Sua última esperança era Emilinha. Eu os apresentei e dois anos depois, com problemas nas cordas vocais, a Favorita da Marinha gravou uma marchinha de carnaval com letra de Bob vertida para o português. Não me ofendi quando a assessora de Emilinha dispensou os meus serviços de tradução depois que Bob aprendeu a nossa língua. Bob comporia muitas canções para Emilinha. Sempre anônimo. Esquecido. Soube disso ontem, enquanto acompanhava o velório de Bob no São João Batista. Com um calor de 42 graus, só o rosto de Bob não suava. Blake saiu sem ser notado. Suas flores já haviam murchado.

+


Eu não sabia que aquele gringo branquelo sentado no Castelinho com o cérebro molhado de caipirinha tinha sido o maior poeta da Segunda Guerra Mundial. Limpava toda areia de Omaha nas ondas pouco cívicas de Ipanema. O deslocamento do ar enchia meu chope de lembranças da guerra. O Castelinho acabou e eu não fui convocado. Havia uma grande distância entre meus ideais e o Corcovado.

+


Arquibaldo era motorista de ambulância e não perdia um filme de Hitchcock. Acabou se formando em direito. Depois de perder duas causas, leu uma edição condensada de T. S. Eliot e resolveu ser poeta. Apaixonou-se pela filha do diretor da Biblioteca Nacional e conheceu pessoalmente muitos escritores que nunca havia lido. O casamento durou pouco, mas então ele já era poeta famoso. Para não estrangular a mulher, pediu divórcio. Não faria versos com sabor de Disque M para Matar. Dividimos ontem um waffle na Confeitaria Colombo porque ele não queria engordar. Para mim foi uma economia. Mostrou-me seu último poema intitulado "Nobodaddy". Acho que ele nunca gostou do sogro. Arquibaldo agora faz poemas em inglês e quer aprender urdu porque não tolera tradutores. Baudelaire levou 14 anos traduzindo Poe para o francês e morreu na merda. Não dá pra confiar. Arquibaldo quer seus poemas traduzidos em muitas línguas. Como vive de encomenda, não sei onde arranjará tempo para tanta filologia.

+