22.1.09

Não há vagas nos motéis


não há vaga nos motéis. 
e eu não posso parar, meu amor. 
me deixe ir. 
ouça o som do meu xixi por trás do avião que passa. 
faço uma lista mental dos dez animais mais inteligentes depois dos porcos. 
dos dez poetas. 
levo cinco minutos nisso. 
mais do que eu pedi pra você ouvir a história da minha vida. 
e do vento que afrouxa colarinhos um pouco para o lado. 
sou a última sobrevivente da Nostromo. não. 
nem que eu pise fundo, o carro sai do chão. 
mas devo ir mesmo assim. 
por causa de você.
há uma lua para descansar 
e as estrelas são as mesmas em todo lugar. 
pesadas, paft a qualquer momento. o céu fica vazio. 
daquele vazio da xícara de café que você levou 133 segundos para beber. 
daquele vazio dos 3 segundos que levou para conservar os olhos em mim. 
eu sei. eu contei. eu não estava de costas pra você na caixa registradora. 
pedi antes. peço agora. me deixe ir. 
muitas juras e uma lata de conversa não serviram. 
nem que fossem oito. 
se acabou, acabado está. 
quer casar comigo? i'm a girl you're a boy. 
a indiferença fuma em silêncio. 
i'm a boy you're a girl. 
duas mulheres sem ser noite sem ser dia. 
suspirando em partes iguais numa casa acostumada. 
certos pensamentos ajudam na hora da curva. 
é a décima vez que passo pelas mesmas árvores ou isso é uma monocultura? 
em nenhum canto deste carro tem um isqueiro. 
não há mais carros que acendem cigarros. 
não se pode querer que a natureza seja original em beira de estrada. 
quantas vezes eu repeti a mesma frase nesta viagem? 
teus cabelos brancos nos pretos. olhos de Picasso. 
não, olhos de Pound que viram Picasso. 
olhos que diziam tudo que eu não queria ouvir. 
esperando pelo resto do um metro e setenta e dois que sua alma não mostrou.
não choro. não lembro. 
seco o volante com a manga do casaco. 
é feio o gesto de secar o volante. 
é triste. 
pareço motorista de ônibus. 
o mundo passa rápido do outro lado da janela. 
correr é a única forma de fazer o mundo parar. 
e não há vaga nos motéis. 
eu não vou parar no Lar do Pescador. 
você é o meu amor, mas a tristeza é mais. 
e neste mundo não há alguém para meu ninguém. 
me deixe ir. nos deixe.
eu era um hóspede e vós me acolhestes. 
seja cristã. 
sim, são linhas retas e daqui a pouco amanhece. 
teu braço debruçado no meu ombro. 
os olhos secos voltados para o mar. 
o barco que arrasto sem ruído. 
você não devia ter aberto o porta-luvas.