Exatamente às seis e treze da manhã vi os enormes olhos azuis de Ester sendo vendidos em um anúncio de jornal que acabara de comprar. Eles falavam comigo. Águas amargas. Pálidos. Afásicos. Testes de minha instabilidade emocional. Ela não tardou em vendê-los a qualquer um sem me consultar. E logo eu, que os escolhi para ela. Minha herança genética. Agulha rangendo na memória.
Como nascem os bebês, papai?
O bico da cegonha é o pênis. A chaminé por onde ela desce, a vagina. E o lago de onde viestes são as águas do ventre materno.
Ester piscou os olhos azuis e nunca mais os abriu, com medo de que a cegonha os bicasse e levasse de volta ao fundo do lago. Juntando um ano ao outro e cansada de viver de olhos fechados, ela arrancou-os com a pinça das sobrancelhas de Occam e deixou-os expostos num cesto de junco sobre a mesa de mármore Travertino Romano de nossa sala.
O primeiro interessado apareceu às nove horas, conforme o anúncio. A velha queria olhos jovens. Cristalinos. Queixou-se de que pareciam mortos. E barganhou.
Eles não estão mortos, disse Ester. Eles dormem.
Ester despachou-a. E a um segundo, terceiro e quarto. Passai bem.
Na undécima hora, um rapaz de passos acidentais veio do fim da rua e bateu à nossa porta. Ester ergueu o rosto. Obscuro por obscuro. Farejou-o, sorriu como se não sorrisse e entregou-lhe seus olhos azuis numa caixinha dourada. O rapaz guardou-os no bolso do paletó, separando-se de nós e do resto da história.
Ester suspirou, veio a mim e deitou em minhas mãos o pagamento. Dois feijões brancos de olhos pretos.
Pega e coloca em ti, anda, ela disse.
Eu te daria duzentas cabras, vinte bodes, duzentas ovelhas, vinte carneiros, trinta camelos, quarenta vacas, dez touros, vinte jumentos e dez mulas. Por que fizeste isso?
Ester retirou os óculos escuros e pela primeira vez deixou-me ver suas órbitas vazadas.
Porque tudo merece um novo olhar, meu pai.