29.6.10

Berenice



Mal lancei os olhos sobre a página e vi que aquele era
o assunto que eu procurava. As letras saltaram Infusões
químicas que preservam a decomposição do
corpo
De quem é aquele cavalo lá fora? Berenice
varou porta adentro. Que cavalo? Ela apontou pela janela.
Se eu entendesse de cavalos e mentiras, diria ser um
Holsteiner, mas Berenice adiantou-se. Aquele pangaré ali
pastando e espalhando carrapatos por todo lado. Eu não
deixei a cancela aberta, se é o que quer saber, tratei de me
defen Não quero saber. Vá tirá-lo daqui. O mal de pessoas
como Berenice é que não têm liga-desliga. Precisam de
métodos mais drásticos. Se tivesse permanecido de fraldas
seria melhor para todos. Mas o coma durou só seis meses.
Um tombo de cavalo. Por isso os odiava e maltratava.
Papai teve de vender metade de nossas terras para pagar
a conta do hospital. Houve sequelas. Berenice é má.
Tão má que toda maldade que há em mim parece sair
de sua boca. Joachim não acredita quando digo que
Berenice é má. Vou lhe dar uma razão para provar
meu argumento: Berenice mata gatinhos e cachorrinhos
sufocando-os com algodão embebido em éter, coloca
tudo num saco e despacha pro lixo. Quem não odiaria
Berenice? Joachim assente e silencia. Não é meu amigo.
Não há sequer um dedo dele em minha alma. Imprima-se Berenice.
Toquei o animal para fora gentilmente e baixei a cancela.
Levei mais de meia hora nisso, as orelhas alertas do cavalo apontando
escutar a história sussurrada de minha vida com Berenice.
Ele foi embora de barriga cheia e sabendo de tudo. Reconstituída,
ela continuava imóvel na janela do escritório observando os seus
domínios. Posso sentir seu cheiro daqui. Formol, fenol, glicerina.
Colhi umas verônicas e coloquei no túmulo de papai. Ele sorriu.