24.11.12

yo soy toda mi memoria





Maira, com i sem acento, nasceu em 23 de janeiro de 1917 em Porto Alegre, na República do Charque. Começou a escrever aos 5 anos no colo de Oswald de Andrade, amante fortuito de sua mãe, uma líder sufragista casada e oprimida. Participou da Semana de 22 como revelação mirim e poucos anos depois lançou em edição limitada um caderninho artesanal de poemas infantojuvenis mórbido-eróticos que ela dizia ser a visão do seu "Abaporu". Mário de Andrade enfureceu-se, tomou as dores de Tarsila e expulsou-a do grupo e de São Paulo. Traumatizada já na infância, abandonou a poesia e só voltaria a escrever aos 72 anos. Antes disso, viveu duas décadas entrando e saindo de comas devido a graves ferimentos sofridos na Revolução de 1930 no Rio Grande como locotenente mascote do avô, militar getulista comandante do pelotão que tomou o Arsenal de Guerra, e mais tarde na Segunda Guerra Mundial, quando atuou como tenente enfermeira na retaguarda de combate aliada do Komsomol. "Foi o surfe que me salvou", costuma dizer, emocionada. Formou-se tardiamente em Letras durante a ditadura militar de 1964-1985 e dedicou-se à política, participando da passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, onde era a de número 42.693. Decepcionada com a resistência pequeno-burguesa a regimes de exceção, abandonou a política aos 85 anos, embora flerte gostosinho com o anarquismo. Já no século XXI, publicou um livro de contos e poemas porque uma alma caridosa de uma grande editora se encantou com seus textos e sua dramática história de vida. A caridade da editora parou por aí. Maira teve 13 casamentos -- 8 desquites e 5 divórcios. Hoje vive em concubinato. Acredita no amor, principalmente quando acaba. "Lascio le donne, e studio la matematica." Tem poucos amigos, alguns inimigos e uma plêiade de indiferentes, orgulha-se de todos. "Escrevo e faço muita merda, às vezes ela acerta", diz a poeta. Inquieta, já morou em mais de 30 albergarias pelo mundo. Não possui bens, pois é contra a propriedade privada, mesmo que lhe caiam na cabeça por herança de parente -- dissipa tudo com livros, chocolates e a causa operária. Aos 77 anos largou as drogas, e aos 92, o alcoolismo. Vive de suas traduções numa região arbórea remota, de onde não sai por suas dificuldades psicolocomotivas misantrópicas. Hoje só escreve e publica virtualmente, em sítios de literatura, acha o suporte livro uma limitação à criatividade, e a política editorial, sanguinária e vampiresca, mas pode ser despeito. Não é. Considerada uma lenda, por vezes até pseudônimo, por nunca aparecer em lugar algum. Poucos a conheceram pessoalmente. Outros acham que nem existe. Maira é grata aos seus leitores fiéis e diz que escreve unicamente para eles e pelo dom que os deuses lhe deram de transformar sua loucura em palavras, não em desenhos, onde ela é pior ainda. Centenária secular, Maira não tem arrependimentos, afirma que se tivesse de começar de novo, faria tudo diferente. "Afinal, sou de Aquário, com ascendente em Escorpião, Sagitário, não sei que lá."