que se
escreve no lugar da que não se sabe escrever. Não é o caso aqui, mas esse foi o
começo. Chamemos de mademoiselle, senhorita, senhorinha e iaiá. Éramos quatro
moças bem moças muito mais minhas amigas do que eu delas. Cheias de melindres à
simples queda de um talher, enfiavam a carapuça com qualquer papagaio verde que
eu lhes contasse, acenando com o meu cansaço que logo viria delas. Contentes
como se tivessem joia em lugar de vida, seus cabelos eram limpos, porque
dormiam limpas e acordavam limpas. Quatro moças. E mais. Oito braços. Oito
pernas. Oito mãos que não me descascavam um inhame. Se eu tivesse fome, não
saberia o que fazer com elas. Que gente não se come. É carne ruim por dentro. E
nem osso por osso colado me serviria de abrigo, que vaidade é uma parte só
fingindo ser todo. Embora de tudo que me deem como e faço muito bom uso.
Cozido, frito ou assado. Então esta noite não tive notícia delas. Um palmo de
solidão sob a terra talvez seja assim, pensa o meu travesseiro por um buraco
que eu escuto. Quando saírem, andam na praça, falando de si aos bancos de pedra
e com quem passa pelas árvores abrindo portas para o meio-fio. Segundo as
aparências. Depois vão dançar. Com os lábios desenhando a boca. O mundo é vasto
para mademoiselle, senhorita, senhorinha e iaiá. Nem nada se pode saber. Amanhã
elas alisam o pente e trazem a cascavel na língua até minha campainha. Que pena
que você não foi. Desse jeito. Açucaradas como um rebuçado. Fazendo beicinho,
me abraçando com aquelas mãos de angu de fubá mimoso. Como se pedissem que eu
lhes desse algo em troca por isso. Eu costurava uma bainha, sem por que
levantar a cabeça. Uma linha é uma linha, não o horizonte. De tal maneira que
um bom pedaço do que disse foi. Vocês sabem que não gosto de bailes.
Mademoiselle deu um gole no café que senhorita empurrou deixando que senhorinha
falasse e iaiá as olhasse de baixo. Minha agulha subindo e descendo. Sob os
panos, tinham pena de mim. Eu sabia. Dois metros de piedade de largura por três
de comprimento, calculados sem fita métrica. De se tocar. Macia. Fria. De seda.
Ainda não cansadas de dançar a noite inteira, dançaram de novo a véspera para
mim. Quem estava com quem. Quem vestia o quê. A tesoura. Quem chegou com quem.
Quem saiu com quem. Quem emagreceu. Quem engordou. Quem vai estudar na capital.
Muito riam. Eu as acompanhava por partes. Para merecê-las. Por assim parecer
melhor a todas. Três carretéis rolaram até a janela. A praça assando no fogão
do meio-dia. Compraram uma queijadinha que passou num cesto de bicicleta. E
comeram. Mergulhei até onde dava pé. Pronto. O último vestido está pronto.
Folhas de alface não se corta com faca. Meu presente para vocês. Elas
repartiram a surpresa com os dedos. Você fez um vestido para nós? Um vestido
preto? E mais riram. Para a Semana Santa? Funeral de quem? Mas são de seda.
Você sabe que nesta cidadezinha atrasada nenhuma jeune-fille usa preto. É mau
agouro, sua burra. E ainda sem rendas e babadinhos. Que coisa. E mais não
riram. Ora. Também não abriram caminho com lágrimas. O vestido ficou no mesmo
lugar por onde saíram. Baixei os olhos para a máquina de costura: não me
pergunte quem eu sou. O que for suará. No sétimo dia aquelas três almas estarão
remando tua barca.