24.10.13

O que passa por trás de olhos sorridentes




Nunca se sabe o que passa por trás de olhos sorridentes 
por trás daqueles anjos pintados no teto da cúpula 
a mãe se acalma beijando o pano branco de crucifixos 
ele cobre a nudez com tarja preta
é uma sombra das imagens de santos 
mora num apartamento pequeno
um cômodo só 
cabem só pensamentos 
pensamentos que o trazem para longe dali  
não há nada a fazer dentro de um ovo 
onde não se pode romper a casca
ou viver sem mistura 
naquele espaço miúdo, imitava a si mesmo 
poderia ser sapateiro ou artífice de qualquer espécie 
mas era homem de pensar 
pensamentos num quadrado 
tomam a forma do quadrado 
por isso ele precisava pensar gordo  
como o prisioneiro se espreme entre barras 
ele encolhia a barriga do pensamento para poder sair 
mudar-se para o novo apartamento 
precisou livrar os livros 
dispensou novos  
abraçou velhos 
alguns raros 
fiapos de papel de mais de 70 anos 
desmancham nos seus dedos 
cordões umbilicais que não poderia jogar no lixo
esconder-se sob bancos de igreja
de um deus carunchado
que se punha a caminho da morte
um cômodo que vinha de muito fundo
para o corinho de natal no shopping
com suas vestes de garoto soprano
nunca se sabe quem passa por trás de infâncias sorridentes