Nunca se sabe o que passa por trás de olhos sorridentes
por trás daqueles anjos pintados no teto da cúpula
a mãe se acalma beijando o pano branco de crucifixos
ele cobre a nudez com tarja preta
é uma sombra das imagens de santos
é uma sombra das imagens de santos
mora num apartamento pequeno
um cômodo só
um cômodo só
cabem só pensamentos
pensamentos que o trazem para longe dali
não há nada a fazer dentro de um ovo
onde não se pode romper a casca
ou viver sem mistura
ou viver sem mistura
naquele espaço miúdo, imitava a si mesmo
poderia ser sapateiro ou artífice de qualquer espécie
mas era homem de pensar
pensamentos num quadrado
tomam a forma do quadrado
por isso ele precisava pensar gordo
como o prisioneiro se espreme entre barras
ele encolhia a barriga do pensamento para poder sair
mudar-se para o novo apartamento
precisou livrar os livros
dispensou novos
abraçou velhos
abraçou velhos
alguns raros
fiapos de papel de mais de 70 anos
fiapos de papel de mais de 70 anos
desmancham nos seus dedos
cordões umbilicais que não poderia jogar no lixo
esconder-se sob bancos de igreja
de um deus carunchado
que se punha a caminho da morte
um cômodo que vinha de muito fundo
para o corinho de natal no shoppingesconder-se sob bancos de igreja
de um deus carunchado
que se punha a caminho da morte
um cômodo que vinha de muito fundo
com suas vestes de garoto soprano
nunca se sabe quem passa por trás de infâncias sorridentes