14.10.13

Como é bom morrer olhando para uma mulher



Se toda mulher gosta de apanhar,  eu não sei disso não senhor. Eu gosto. Mas com muita ternura.

Como é bom morrer olhando para uma mulher. O cheiro de biscoitos assados vindo da cozinha. Eu vejo a cena. Não preciso de cinema. Não preciso de diário. A bicicleta e um vestido de algodão com mariposas de seda. Por um minuto somente. Atentando minha enferma inocência, ela faz revelações mais perto de mim do que imagina. Pode ser uma bobagem o que diz, mas gasto tudo o que tenho para ouvi-la. Dos móveis velhos que nos cercam ao oceano Pacífico. O sal do seu corpo. O doce do cabelo lavado. Junto uma coisa à outra e vejo o mar como se caísse do meu bolso. 

Não se lê sonhos no jornal. Achei que o senhor ia gostar de saber.

Ela olha para a cabeceira da cama. Pensa fugir dos meus olhos, mas o que faz é oferecer outro ângulo do seu rosto. O que bem conheço. Tudo está escrito nele se alguém souber ler coisas caídas do céu. Não é arte ocidental. É areia que vem no vento. Você só não pode abrir a boca. Ela gruda na pele e vocês são um só.

O tempo está empedrado demais. Olha como a tamarineira vai acabar morrendo.

Não chove há meses e faz frio toda noite. Só hoje ela me lembra. Morrer é um pouco virar estátua. Amar é um pouco virar estátua. Só o que é amado se movimenta. Você parado do outro lado da rua. Parado numa cama de doente sem sono. Freios por entre os dedos. A namorada de infância corre para a água. Nada mostra quando mergulha. Farinha. Porque a morte não espera muita coisa. A mulher ali sabe que você não prefere ficar sozinho. Vai à janela e procura mais conversa para colher. Foi o que fez. Sabe que você esconde a dor que ela pensa ser dela só. Mas é sua o dobro. Como a espingarda na parede. Como os bichos magros que abateu em sua própria terra empedrada. Como o que acontece em todas as outras casas. Do que lembram as gentes o tudo que se pode. Os biscoitos ainda quentes chegam num cesto que a mulher coloca no tampo da minha barriga. Prova um. Demonia-se com um sorriso, e você come também. O biscoito gruda no céu da boca e vocês são um só.